É sabido que ninguém pode provocar a atuação do Poder Judiciário sem que tenha um pedido a ser feito, e este pedido, por sua vez, deve ter por suporte um fato ou um acontecimento passado, atual ou na iminência de acontecer, a que se chama de “causa de pedir”.
BREVES CONSIDERAÇÕES PESSOAIS
Iniciei minha carreira na Magistratura na Comarca de Benjamin Constant, depois de ser aprovado num concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, com muitos concorrentes, sem suspeita de fraudes ou favorecimento, tanto que das 8 vagas existentes, duas não foram preenchidas. Quase sem títulos para ostentar, perdi o 1º lugar na classificação final, para o ilustre Juiz, já aposentado, Adair Rebelo.
“Éramos seis”.
Além de mim e do Adair Rebelo, também faziam parte da relação de aprovados a Juíza aposentada Alzira Ewerton, que chegou a se eleger Deputada Federal e os atuais Desembargadores Flávio Humberto Pascarelli Lopes, Paulo César Caminha e Lima e Luiz Wilson Barroso, todos de inquestionáveis qualidades morais e apurada qualificação técnica.
A inquietação e as necessidades de minha própria existência não me permitiram ficar na carreira. Todos os que ficaram já chegaram lá.
Em janeiro de 1987, com a extinção da 2ª Vara da Comarca de Benjamin Constant e a criação da Comarca Tabatinga, desmembrada da de Benjamin Constant, eu tinha três opções: optar pela nova Comarca; ficar em disponibilidade com vencimentos integrais ou ficar aguardando o surgimento de uma vaga numa Comarca que fosse do meu interesse ou promoção por antiguidade.
Fiz a primeira opção e fui ser o primeiro Juiz da Comarca de Tabatinga.
Muito provavelmente devido às minhas origens, sempre entendi que o Poder Judiciário, como um Poder do Estado, deveria, na medida do possível, estar perto do Povo, sem preconceito contra os ricos e poderosos, mas com ternura e compreensão social com os desvalidos.
Assim, vinte anos antes da Emenda Constitucional 45 de 2004, eu já praticava a Justiça Itinerante, indo às comunidades ribeirinhas, subindo rios, indo às aldeias indígenas, para, dentro daquilo que o Judiciário podia oferecer, levar-lhes um pouco de cidadania.
Sem alarde, no silêncio das convicções que minha consciência ditava, procurava aplicar a lei e ser justo.
Agia como um igual, sem usufruir privilégios, de modo que o povo tivesse crença e respeito pela Justiça.
Hoje, passados muitos anos, posso afirmar que era entendido e compreendido.
Por isso, ninguém, ninguém mesmo, por mais humilde que fosse, tinha medo ou ficava receoso de abordar-me, pois pensava, como recentemente ( já nas trincheiras da advocacia) ouvi de uma renomada pessoa, um Ministro humanista do STJ, aquilo que sempre pensei: dentre tantas crueldades, nada é mais cruel num país que se diz democrata, do que “um homem sem voz”. Ele sente a humilhação e cala a dor que lhe aflige a alma, porque não tem quem lhe dê ouvidos.
MARIA*
Foi assim que travei contato com a Maria.
Um dia eu estava caminhando pela Av. da Amizade, sozinho, sem seguranças, quando a Maria me abordou.
Doutor Balieiro, posso falar com o Senhor?
Claro que pode.
Mas aqui não, eu queria ir lá no Forum.
Não tem problema, procura-me lá às quintas-feiras ou nos outros dias da semana, se for muito urgente, entre 7:30 e 8:00 h que eu te atendo.
Tá bom então. Eu vou na quinta-feira, mas quero ser a última a ser atendida, pois meu assunto é um pouco delicado.
Após isto sempre que cruzava com a mesma ela dizia que ainda ia passar no Forum.
Numa bela quinta-feira a Maria finalmente apareceu.
Li sua ficha preliminar que houvera sido preenchida, e, onde deveria estar registrado o “assunto” a ser tratado, estava escrito por quem preencheu a ficha: não revelado.
Inicialmente ela perguntou-me se eu não me recordava dela, ao que respondi que a conhecia de vista, todavia não me lembrava de nada relevante. Ela então me disse: foi o senhor que fez meu casamento, há três anos, lá Benjamin Constant. Quando me entregaram a certidão o senhor mandou corrigir, pois eu já tinha dois filhos com meu esposo, o Michel*, que à época tinha 6 meses e a Fernanda*, que agora tem 8 anos. O senhor disse que o nome deles deveria constar do registro do casamento.
Agora me recordo, foi num dia em que se casaram vários militares, salvo engano o teu esposo é o Sargento Fernandez*.
Isso mesmo doutor.
Como vocês estão, tiveram outros filhos?
Só mais uma menina doutor.
Que bom. Parabéns. Como vai a família, estão todos bem?
É sobre isso que eu quero falar com o senhor. A gente está bem. Quer dizer, mais ou menos.
Como, assim, explica Maria.
Doutor eu quero me separar do Fernandez.
Fiquei um pouco pensativo, pensando nos meus filhos…
Qual o motivo Maria, ele por acaso está te maltratando, ele te espanca, tem faltado com o sustento?
Não doutor, ele é um homem muito bom comigo. Um excelente pai. Trouxe-me lá do alto Javari. Eu mal sabia assinar meu nome. Hoje eu estudo, estou cursando a 6ª Série, lá no Duque de Caxias, à noite. Ele até comprou uma moto pra mim, lá em Letícia**.
Então não entendo Maria. Ele tem outra?
Aiau***! Quem dera que fosse isso doutor, que eu ia lá e dava uma surra na sem-vergonha e “colocava” ela pra correr.
Maria, para tu te separares de teu marido tem que haver um motivo. A não ser que seja uma separação amigável. Ele vem aqui, a gente chama a Dra. Regina Souza, Defensora Pública, e ela providencia tudo. É bem rápido.
Pois é doutor, ele nem sonha que eu estou aqui. Mas motivo, motivo, não sei se existe. Acho que sim. Mas penso nos meus filhos, não entendo nada de lei, por isso vim aqui com o senhor.
Bem Maria, estou ficando curioso, mas se você não quiser falar não tem problema. Faz de conta que esta conversa nunca existiu.
Olha doutor Balieiro, eu pensei muito antes de vir aqui. Por isso demorei a vir. Mas não vim tomar seu tempo. Já que estou aqui vou falar. Fico meio sem jeito e envergonhada né, numa situação dessas, …que situação a minha. Mas o senhor sabe como é a natureza. Depois da primeira vez… Eu tenho 26 anos doutor. E aí, de um ano pra cá, desde que minha filinha nasceu, nada! Toda noite é a mesma coisa. Poxa doutor estou morrendo de vergonha. O senhor está me ouvindo?
Estou prestando atenção Maria. Fala.
Como eu disse, toda noite é a mesma coisa. Ele tenta, tenta. Fica suado, tenho até pena dele, mas não tem jeito, fica igual a PESCOÇO DE PERU.
Como assim??? Maria?
O negócio dele, só fica “vermelho e engilhado”.
FIM.
Um dia desses eu estava em Brasília e fui num restaurante tido como chique. O prato principal era à base de pescoço de peru. Todos que estavam comigo pediram. Aí eu me lembrei do peru do Fernandez. Cancelei o meu pedido.
A última vez que vi a Maria foi campanha das eleições de 2002, quando fui eleito Deputado Estadual.Ela estava muita alegre, com um ar de felicidade estampado no rosto, casada com outro. Disse-me que era minha eleitora e que iria fazer campanha pra mim.
O Sargento Fernandez pediu transferência para outro Estado, soube por ela que já foi reformado. E novo marido da Maria, pela alegria dela, com certeza não tem o PESCOÇO DE PERU!
Os fatos realmente aconteceram.
*Os nomes são fictícios.
**Cidade Colombiana, Capital del Departamento de la Amazonia, emendada a Tabatinga.
***Expressão muito usada em Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte.
HAhahahaha Coitado do Sargento “Fernandes”. Pra sorte dele, nos dias atuais, já há alguns remédios que viabilizam o enrijecimento do “pescoço do peru”. Inclusive, esta semana o STJ “quebou” a patente do Viagra, o que é uma boa notícia para os acometidos de tal problema.
Inclusive li um comentário maldoso no twitter dizendo que os Ministros do STJ seiam suspeitos para o caso pois a julgar pela idade média dos Superiores estariam decidindo em causa própria.
[...] This post was mentioned on Twitter by Francisco Balieiro, bLex Blog Jurídico, bLex Blog Jurídico, Elisnei Menezes, J. R. R. Gadelha and others. J. R. R. Gadelha said: RT: @bLex_com_br: Caso pitoresco da época q @frbalieiro era juiz. Causa de Pedir:Pescoço de Peru http://bit.ly/94nG5j [...]
Muito boa! Quantos,pescoços de peru, vermelhos e engilhados não estão por ai,a decepcionar as marias..
Ministros do STJ suspeitos, é?! hahahahahahaa essa foi boa.
Olha vou te contar, porque você não comeu “pescoço de peru” doutor? Rsrsrs agora já sabe tem que pedir jaraqui frito rsrsr! Abraços