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Vitória da Meritocracia Contra a Mediocridade

Depois de usar este espaço para expressar minha inicial incredulidade e espanto diante do parecer do Ministério Público que opinou pela inconstitucionalidade do Exame de Ordem, não poderia deixar de comentar a decisão do Supremo Tribunal Federal que, de uma vez por todas, sepultou as esperanças de quem queria advogar sem estar preparado para tanto.

Acho que não é necessário analisar a questão sob a ótica constitucional, pois os votos dos Ministros do Supremo esgotaram suficientemente a questão. Mas vale pensar um pouco a respeito do fenômeno social que fez que deu ensejo à lide decidida ontem.

Os americanos têm uma expressão que não traduz perfeitamente para o português: “sense of entitlement” ou simplesmente “entitlement” que, em seu sentido coloquial, traduz a noção que um indivíduo tem de ser merecedor de direitos, dádivas, recompensas ou benefícios a que não faz jus.

Numa sociedade eminentemente meritocrata, esse tal “sense of entitlement” carrega consigo uma forte conotação pejorativa, pois caracteriza quem “se acha no direito” sem nunca ter feito algo para merecê-lo.

Ao refletir sobre o julgamento de ontem, volta e meia me deparava com o “sense of entitlement” dos bacharéis que – a despeito da sua incapacidade de passar numa prova – se achavam constituídos no direito de representar a terceiros na justiça.

Mas foi com tristeza que lembrei que tal sentimento não é reservado ao bacharéis: ao revés, é comum em nossa sociedade. Por exemplo, já se reflete na faculdade quando o aluno se acha no direito de passar na matéria só porque está pagando a faculdade, ou porque trabalha muito e não tem tempo de estudar o suficiente para dominar o assunto.

Para mim é evidente: não se permite um despreparado advogar da mesma forma que não se coloca uma arma nas mãos que quem não sabe manuseá-la. E pelos mesmos motivos.

Quer fazer algo? Adquira os conhecimentos necessários, torne-se apto, e pronto.

Infelizmente, essa ótica meritocrata não parece ser compartilhada por todos. Aliás, o “sense of entitlement” é tão disseminado em nossa sociedade que os bacharéis, mesmo incapazes de passar no exame de ordem e demonstrar um mínimo de aptidão no manuseio do direito, se organizaram massivamente em movimentos estruturados para o fim de assegurá-los o direito de advogar.

Um desses movimentos é o Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito – MNBD, CNPJ nº 09.582.855/0001-42, com presença em todos os estados, e cuja presidência nacional (sim, eles tem um presidente nacional) é exercida por um senhor Reynaldo Arantes.

Esse tal MNBD foi um grande catalisador das forças sociais que pretendiam demonstrar que a faculdade já prepara o cidadão para advogar, independente do exame de ordem. Os esforços do MNBD culminaram no julgamento do STF de ontem no que, à toda evidência, foi a caso central à razão de ser do Movimento. Imagino que todos os olhos do MNBD estivessem colados em cada detalhe daquele julgamento.

Após o resultado, o MNDB divulgou uma nota, assinada pelo seu presidente nacional, que, por enquanto, pode ser acessada neste link. Mas, para não correr o risco de o post retirado do ar, eis sua transcrição na íntegra:

Mensagem Oficial do MNBD/OABB: Imprensa entende errado e divulgam que exame é constitucional. Urgente

Publicado em 27/10/2011 por Inacio Vacchiano

Prezados(as) MNBDistas:

Peço desculpas inicialmente pela demora em enviar esta mensagem, mas assim como muitos colegas brasilienses e vários de outros estados, comecei a correr as 13h da 6ª feira quando mandei a mensagem com a data do julgamento e “desmontei” na noite de ontem, quando terminei os últimos contatos. Dormi apenas 2 a 3 horas por noite e estava acabado ontem. A idade pesou…

Muitos colegas não entenderam o que aconteceu ontem, por absoluta falta de prática nos trâmites processuais e até pela divulgação dos jornalistas (não li nada até agora ainda, vou ler depois) que já no STF ontem, entenderam como vitória da OAB. Na realidade, não houve vitória e nem derrota de nenhum lado.

Todos se surpreenderam com a fundamentação do Ministro Marco Aurélio, mas não se atentaram a um detalhe importantíssimo: O registro de voto do Ministro Marco Aurélio, que todos os demais ministros acompanharam, pelo conhecimento do recurso extraordinário e pelo seu IMPROVIMENTO!!!

Ou seja: Todos os ministros aceitaram o voto do Relator em NÃO ANALISAR O MÉRITO – SE O EXAME É CONSTITUCIONAL OU INCONSTITUCIONAL – e sim, apenas o analisar o recurso e não aceitar seu prosseguimento.

Assim, não analisando o mérito e apenas improvendo o recurso, a próxima ação que tiver seu mérito centrada na questão exame de ordem é que poderá levar a análise de sua inconstitucionalidade ou não e gerar efeito Erga Onmes para todos os demais processos.

O Supremo em seu site, também está publicando um entendimento errado. Publicam que o STF julgou o exame constitucional, em anexo. Já entrei em contato com o setor de comunicação social, comuniquei o erro, assim como comuniquei o gabinete do Ministro Marco Aurélio sobre o erro na interpretação de sua decisão de ontem, acompanhada pelos demais ministros.

Assim, peço aos colegas – nós sim conhecemos os trâmites e os termos jurídicos – que entrem em contato com as redações de seus jornais e rádios de suas cidades e informem que NÃO HOUVE NENHUMA DECISÃO SOBRE CONSTITUCIONALIDADE OU NÃO DO EXAME e que isto ainda irá acontecer em outra ação que trate do tema e que entre na pauta do STF.

Estarei mandando mensagem mais completa depois, ainda hoje, com mais detalhes, pois agora vou brigar para mudar a manchete do STF, para usá-la como base de uma nota à imprensa. Reitero: ainda hoje.

Vamos seguir lutando. Ontem não tivemos a vitória esperada, mas não tivemos derrota nenhuma. Apenas foi adiado a análise sobre o exame e sua inconstitucionalidade e nós seguimos preparados para vencer.

Até mais tarde

Reynaldo Arantes

Trocando em miúdos: o PRESIDENTE NACIONAL do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito, não tem capacitação jurídica suficiente para sequer compreender o alcance da decisão judicial mais importante da história do movimento. Imagine o que faria com o direito dos coitados dos seus eventuais clientes.

A meu sentir, não há testemunho mais contundente que este a favor do exame de ordem. Temos que aplaudir Supremo por prestigiar a meritocracia em detrimento da mediocridade.

Graças ao Supremo, não adianta “se sentir no direito” de advogar; tem que provar que se é capaz de fazê-lo.

PS: Não poderia deixar de registrar o comentário de meu amigo Uiratan: fico imaginando se o cara liga pro gabinete pra comunicar o “erro” e o próprio Marco Aurelio, por azar/sorte, atende

7 comments to Vitória da Meritocracia Contra a Mediocridade

  • francisco

    Boa tarde!
    Finalmente o STF deu um basta aos incompetentes que querem advogar, porem sem a minima condição, que estes bachaaréis estudem para que consigam obter aprovação no exame.

  • Rafael Lins Bertazzo

    Indivíduo não saber a diferença entre Não Conhecimento do Recurso e Improvimento é dose.

    Fico pensando o que a assessoria do Min. Marco Aurélio pensou diante da comunicação sobre “o erro na interpretação de sua decisão de ontem, acompanhada pelos demais ministros.”

    Essa atitude só reforça a necessidade do Exame da OAB, para combater as faculdade$$$$ que vendem sonhos e formam pesadelos.

  • Uiratan

    Daniel, estao especulando no “forum” um recurso junto a OIT … garantia de riso assegurada por mais algum tempo

  • Eduardo Bonates

    Eu acho que é brincadeira desse cara! Não é possível, como bem observado pelo Rafael Lins, que esse presidente não saiba o que é improvimento! Será que ele não sabe mesmo??? Uma última pergunta: Este presidente já passou no exame da Ordem?

  • Ricardo Tavares de Albuquerque

    Sério? Sério? Sério?

    Pior notícia que esta Daniel, é a defesa da inconstitucionalidade do exame feita por um senhor aqui de Manaus na Câmara dos Deputados:

    http://www.conjur.com.br/2011-mai-12/exame-ordem-destroi-familias-afirmam-bachareis-direito

  • Saulo Michiles

    Esse post e o conteúdo assinado pelo presidente do MNBD são os melhores argumentos A FAVOR do Exame de Ordem…

  • Rodrigo

    Nós rimos dessas asneiras, mas os clientes desses “baixaréis” (assim, errado mesmo) só têm motivos pra chorar. E eu acredito que ainda não terminou. Não dou 01 ano pra algum inepto qualquer apresentar projeto de lei visando extinguir o exame da OAB, se é que já não existe algum.

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