Eleição para Governador do Amazonas em 2006. Eu comandava o corpo jurídico do então candidato Amazonino Armando Mendes. Meu cliente, que no passado já tinha sido Governador do Estado, tinha instituído como símbolo oficial do governo do Amazonas um “A” estilizado. O tal símbolo oficial foi imediatamente substituído pelo governador que o sucedeu, de modo que ficou conhecido pela população como “A do Amazonino”.
O “A” era bem simples do ponto de vista de design: três barras (salvo engano, uma azul, outra vermelha e outra branca) faziam intersecção para formar um “A”.
Era algo mais ou menos assim:
(Tenho certeza que serei corrigido nos comentários sobre a correta disposição das barras e cores, mas vasculhei a internet e não consegui localizar a imagem correta. Se alguém puder me apontar uma imagem com a versão oficial, ficarei grato).
De qualquer modo, ao se aproximar o período eleitoral de 2006, algumas pessoas – em exercício de um movimento popular espontâneo – começaram a colar uma versão rústica do A estilizado (feita com barras de adesivos coloridos) nos seus carros. Preocupado com as possíveis consequências para o nosso cliente, nós imediatamente peticionamos ao TRE para que coibisse a prática, deixando claro que a campanha nem utilizava e nem toleraria que se utilizasse pretérito símbolo de governo como meio de propaganda eleitoral.
Apesar da nossa ação, como era de se esperar, o adversário político do nosso cliente promoveu representação por propaganda irregular, nomeando o candidato que representávamos como réu. Mas ao fazê-lo cometeu um pequeno deslize…
Antes de prosseguir, algo deve ser dito em defesa dos colegas que promoveram a tal representação. Primeiro, devo dizer que são advogados competentíssimos na militância eleitoral. Segundo, é relevante saber que a advocacia de propaganda eleitoral não é daquelas que pode ser feita com tempo e tranquilidade. Não é incomum que quem advogue na propaganda eleitoral tenha que cumprir mais de dez prazos a cada período de 24 horas. Esse não é exatamente o ambiente mais propício à revisão e reanálise dos textos.
Não é de se espantar que vários pequenos erros ocorram nessas petições feitas às pressas, mesmo que tenham sido elaboradas pelos advogados mais competentes do mercado.
Desconfio que foi isso que aconteceu no caso narrado. Ao promover a representação contra o Amazonino, os ex adversos formularam o seguinte pedido:
Por todo o exposto, requer sejam adotadas as providências cabíveis, proibindo que seja utilizada a marca/símbolo/letra “A” em campanha eleitoral, na forma estilizada ou não, comunicando o teor da presente ao Ministério Público Eleitoral, além de determinar à equipe de fiscalização deste Tribunal Eleitoral que proceda ao recolhimento de todo e qualquer material publicitário que contenha a marca/símbolo/letra “A”, estilizada ou não.
O deslize está num detalhe: pediram que na campanha fosse proibido o uso da letra A, estilizada ou não.
Com uma brecha dessas, não resisti. Preparei pessoalmente a contestação ao pedido, cujo teor se encontra abaixo.
De início, devo dizer como é difícil redigir este documento defensivo sem me socorrer do uso do “A“, exceto no frontispício e nos trechos que repetem o que foi escrito no petitório do requerente. Eis que este hercúleo esforço é útil como exemplo do escopo do treslouco pedido de que se defende o requerido.
O núcleo do processo se resume no seguinte:
Por todo o exposto, requer sejam adotadas as providências cabíveis, proibindo que seja utilizada a marca/símbolo/letra “A” em campanha eleitoral, na forma estilizada ou não, comunicando o teor da presente ao Ministério Público Eleitoral, além de determinar à equipe de fiscalização deste Tribunal Eleitoral que proceda ao recolhimento de todo e qualquer material publicitário que contenha a marca/símbolo/letra “A“, estilizada ou não.
Este pedido do Requerente deve ser dividido em dois. Primeiro, existe o pedido de coibir o uso do pretérito símbolo de governo, descrito nos documentos que instruem o processo (fl.30).
Neste ponto, o Requerente é serôdio. Sem conhecer os termos do presente, o Requerido protocolou dois pedidos idênticos em 05/08/06 exigindo rigor do TRE no coibir o uso do símbolo em comento, pois é certo que (i) o Requerido, de nenhum modo, contribui ou conhece quem contribui no emprego do símbolo e (ii) o hodierno uso do “A” no estilo descrito no Decreto 16.672/95 é, de certo, cometimento de crime previsto em lei.
Inexiste, desse modo, interesse técnico no prosseguir do presente feito, pois o pedido oposto em detrimento do defendente é, em síntese, o mesmo que interposto pelo próprio Requerido. Nesse sentido, inexiste desejo resistido no universo do processo, devendo ser extinto o feito nesse ponto.
No segundo elemento do requerimento, existe um pedido de excluir, neste pleito, o tipo “A” do Português. O exercício de exegese do texto do pedido é óbvio nesse sentido:
Por todo o exposto, requer sejam adotadas as providências cabíveis, proibindo que seja utilizada a marca/símbolo/letra “A” em campanha eleitoral, na forma estilizada ou não, comunicando o teor da presente ao Ministério Público Eleitoral, além de determinar à equipe de fiscalização deste Tribunal Eleitoral que proceda ao recolhimento de todo e qualquer material publicitário que contenha a marca/símbolo/letra “A“, estilizada ou não.
Esse desejo do Requerente é risível, e num mundo perfeito, nem merece o tempo e o esforço do intelecto do juiz. Querer proibir todo uso do “a“, independente do estilo do tipo, é proibir o defendente de escrever seu próprio nome. De se perceber que o Requerente socorre-se do 49 vezes do “a” só no seu pedido de proibir seu uso pelo Requerido.
Outrossim, se o Requerido for impedido do emprego do “a” em todos os seus estilos, o Requerente deve sofrer o mesmo ônus, vez que o dispositivo de lei impõe que todos lhe dêem respeito. Se o uso do “a” de todos os modos for proibido, nem escrever “Edu*rdo Br*g*, Govern*dor” é permitido.
Se o exemplo é ridículo, é porque é ridículo o pedido do Requerente.
É óbvio que o requerimento de suprimir todos os estilos de “a” no pleito de 2006 é impossível no universo jurídico, o que tem como efeito o indeferimento do requerimento, devendo ser extinto o processo nesse sentido.
Ex positis, requer extinto o processo, por ser seu pedido impossível no universo jurídico, e por inexistir interesse no processo, pois inexiste desejo resistido.
Termos Em que,
Pede Deferimento,
Daniel Fábio Jacob Nogueira
OAB/AM 3136
A escorregada deles está no “estilizada ou não”.
Poutz, Genial! Pra ser sincero, só percebi que a petição não tinha a letra a qdo minha mulher atentou pro detalhe. Mas quero saber como ficou a ação? O resultado, quem ganhou?
Daniel,
Não encontrei a imagem do “A”.
Perguntei para os meus pais e eles disseram que o “A” é vermelho, azul e amarelo.
O teu pedido foi com a letra A marcada?
Miguel, confesso que não lembro exatamente qual o resultado final da ação. Não lembro se foi julgada improcedente ou extinta por perda superveniente de objeto. Qdo o TRE voltar de recesso, vou confirmar e te informo.
Caroline,
Obrigado pela correção. Vou arrumar a imagem do texto. Quanto à petição original, realmente foi protocolada com todas as letras “A” realçadas, tal como apresentada.