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Do Prazo Dos Embargos de Terceiros

Outro dia enfrentei interessante questão processual, que ora divido com os caros leitores do bLex, referente à ação de embargos de terceiro.

Contudo, como este humilde blog alcança não apenas profissionais do direito, mas também alunos da área e mesmo pessoas estranhas à classe jurídica, impendem algumas explicações a respeito da referida ação, com o objetivo de ser o mais didático possível.

Inicialmente, importante destacar qual o cabimento e a legitimidade da referida ação, ou seja, qual seu objetivo e quem pode manejá-la. A previsão legal se encontra esculpida no art. 1.046 do Código de Processo Civil.

O dispositivo indica, como regra, que é legitimado para a presente ação aquele que não faz parte do processo, ou seja, que seja terceiro, não figurando como demandante ou demandado, não sendo quem pleiteou a prestação jurisdicional tampouco contra quem a máquina estatal foi movimentada.

Além de ter que ostentar a qualidade de terceiro, o embargante deve ser senhor ou possuidor da coisa (art. 1.046, § 1º) ou direito que tenha sofrido constrição judicial. Este terceiro, portanto, pode ser senhor possuidor ou apenas possuidor, nos termos esculpidos no parágrafo primeiro do já citado artigo: § 1o Os embargos podem ser de terceiro senhor e possuidor, ou apenas possuidor.”

Em síntese, quando um bem de minha posse ou propriedade sofre efeitos de uma decisão proferida em um processo em que eu não fiz parte, é a ação de embargos de terceiro o remédio cabível.

A questão que pretendo aqui enfrentar, em especial, será a do prazo da referida ação.

Explica-se: O Código de Processo Civil indica de maneira clara que os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento e, no processo de execução, até 5 dias depois da carta de arrematação.

Boa parte da doutrina e até da jurisprudência entende que este prazo é, inclusive, decadencial.

No caso específico que vivenciei, meu cliente me procurou quando já havia transcorrido bem mais que 5 dias da arrematação o que traria, em tese, a aplicação do prazo de até 5 dias depois da arrematação.

Ocorre que uma análise detalhada no caso em comento, como único e verdadeiro caminho de prestação efetiva de jurisdição e de acesso a uma ordem jurídica justa – fazendo uso de brilhante expressão cunhada pelo professor Kazuo Watanabe –, mostra a necessidade de um raciocínio diverso.

A fase atual da ciência processual busca meios para melhorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais efetiva, aproximando a tutela jurisdicional de algo que verdadeiramente mereça ser chamado de justiça, a partir de uma visão que tenha como foco os consumidores da prestação jurisdicional.

A constitucionalização do direito afetou todos os seus ramos, inclusive o ramo processual. A construção de todo o direito brasileiro parte da busca de materialização dos direitos fundamentais, efetivando um Estado Democrático de Direito.

A própria Constituição incumbe-se de configurar o direito processual não mais como mero conjunto de regras acessórias de aplicação de direito material, mas cientificamente, como instrumento público de realização de justiça.

A sistemática moderna de processo parte de normas menos causuísticas e mais abstratadas, calcadas em princípios e cláusulas gerais de conceito vago e indeterminado, autorizando o julgador a valorar a norma a partir do caso concreto. O caminho não é mais de soluções preconcebidas, sendo o direito dos princípios, mormente os extraídos diretamente da Constituição, realidade a ser construída. Assim, o novo processo é prospectivo e não retrospectivo, criativo e não descritivo.

Nesta discussão, é perfeita a aplicação da lição de Mauro Capelletti a respeito das três ondas de acesso à justiça, especialmente a terceira onda - que se refere à efetividade do processo -, sob o viés do consumidor da prestação jurisdicional. A parte deve receber o direito que possui da forma mais perto o possível do que se houvesse sido cumprido espontaneamente.

Na mesma linha, há de se relembrar o escopo social do processo, lecionado pelo mestre Cândido Dinamarco, que relaciona-se intimamente com a noção de justiça social e pacificação de conflitos, permitindo ao cidadão e à sociedade como um todo as fruições garantidas desde o plano material.

Este prólogo mostra-se necessário pelo fato de, no presente caso, não haver na legislação pátria uma resposta específica para o que ora se arrosta, sendo necessário que a norma existente seja aplicada a partir de uma modelação constitucional.

Explica-se: o processo executivo foi instaurado contra uma dada empresa proprietária do imóvel “X”, sendo este o bem penhorado, avaliado, reavaliado e arrematado. Naquela oportunidade o bem “Y”, de propriedade do meu cliente, não havia sofrido qualquer tipo de turbação ou esbulho que justificasse o manejo do qualquer instrumento processual.

Apenas depois de transcorridos vários meses da arrematação é que foi deferida a imissão na posse no imóvel “Y”, diverso daquele de propriedade da executada e que havia sido arrematado.

Não há, portanto, que se falar que decorreu o prazo decadencial de interposição dos embargos de terceiro por parte do meu cliente por não haver sido seu o bem arrematado, sendo certo que tão somente quando se deu início a turbação de seu imóvel - posteriormente a arrematação - é que nasceu seu interesse de agir.

O die a quo da oposição dos embargos é bem posterior à data da arrematação, sendo tão somente quando se exteriorizaram os atos de turbação, que no presente caso se deram com a expedição do mandado de emissão na posse.

Aplicar o prazo esculpido no art. 1048 do CPC em hipótese absolutamente diversa daquela nele descrita se mostraria absurdo. A razoabilidade, a partir de preceitos de ordem constitucional, indica de maneira muito nítida que a presente ação foi manejada de maneira oportuna e, portanto, tempestiva.

Destaca-se que a divergência entre os imóveis é notória, com registros públicos e dimensões diversas.

Há alguns precedentes do Tribunal de Cúpula pátrio coadunam com o que aqui se defende, senão vejamos:

PROCESSUALCIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. REINTEGRAÇÃO. DESCONHECIMENTO DO PROCESSO E DO ATO DE IMISSÃO. DEFESA DA POSSE. NÃO SUBMISSÃO AO PRAZO DO ART. 1.048 DO CPC.AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 211 DO STJ E 282 DO STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA(…)

3. Estando alheio ao processo e aos atos de reintegração de posse, o terceiro pode defender sua posse sem estar submetido ao prazo constante do art. 1.048 do Código de Processo Civil. 4. É pressuposto para a configuração da divergência jurisprudencial a existência de similitude fática entre os acórdãos confrontados. 5. Recurso especial não-conhecido. (REsp 723.950/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 02/02/2010)

RECURSO ESPECIAL N° 299.295 – RJ (2001/0002921 -3)

EMENTA

EMBARGOS DE TERCEIRO. Tempestividade.

O terceiro alheio ao processo pode defender a posse que exerce sobre o imóvel arrematado sem estar submetido ao prazo de cinco dias previsto no art. 1048 do CPC. Recurso conhecido e provido.

RECURSO ESPECIAL N° 298.815 – GO (2001/0001753-3}

Processo civil. Recurso especial. Embargos de terceiro à execução.

Propositura. Prazo. Termo a quo. Devido processo legal. Contraditório.

Arrematação. Imissão na posse. CPC, art. 1048, parte final.

- Em observância ao devido processo legal e ao contraditório, nas hipóteses em que o terceiro-embargante não possua ciência do processo de execução em que se operou a arrematação do bem, deve o art. 1048 do CPC, parte final, ser interpretado extensivamente, elegendo-se como termo a quo para a propositura dos embargos a data de cumprimento do mandado de imissão na posse.

RECURSO ESPECIAL N° 345.997 – RO (2001/0111105-2)

EMENTA

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PRAZO. TERMO

INICIAL. CIÊNCIA PELO TERCEIRO EMBARGANTE DA CONSTRIÇÃO. ART.

1.048, CPC. PRECEDENTES. RECURSO DESACOLHIDO.

I – Na linha da jurisprudência desta Corte, o possuidor com justo título tem direito de ajuizar embargos de terceiro para defesa de sua posse, tendo início o prazo com o efetivo ato de turbação.

II – Tendo o terceiro possuidor tomado conhecimento da constrição quando do mandado de imissão na posse, desse dia conta o qüinqüídio previsto no art. 1.048, CPC.

Aguardo a manifestação judicial a respeito do caso, mas sinceramente não consigo ver outro raciocínio a ser aplicado ao caso.

5 comments to Do Prazo Dos Embargos de Terceiros

  • Tal entendimento é o único que não conflita com a lógica do razoável. Espero que tu tenhas êxito no teu caso concreto.

  • a comprou um terreno onde havia sido construido uma casa,sendo que um terceiro mediante procuraçao, vendeu o imovel que pertencia a 5 herdeiros, um deles,ajuizou açao postulando a declaraçao da nulidade da venda que foi levada registro no cartorio de registro de imoveis há mais de 5 anos.
    intimada, a parte deixa transcorrer o pzado para a defesa. Neste caso, pergunta-se, qual póderia ser a açao a agora manejada e distribuida por dependencia, se o imovel em questão é na área urbana? Ação de Usucapião, provando a propriedade e posse pacifica do imovel durante mais de 5 anos,ou outra açao como Embargos de Terceiros?

  • obs: retifico em parte a imformaçao acima mencionada, porque parece-me que referido imovel não havia sido adquirido em nome dos herdeiros em quatas iguais, por essa razão não foi levado a inventário.

  • obs: retifico em parte a imformaçao acima mencionada, porque parece-me que referido imovel havia sido adquirido em nome dos herdeiros em quatas iguais, por essa razão não foi levado a inventário.

  • Interessante o caso. Muito útil a publicação para esclarecimento do prazo para embargos de terceiros.
    Grato!

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