Indiscutível que o mercado imobiliário em Manaus já está há certo tempo bastante aquecido, sobretudo quanto aos condomínios fechados, seja de apartamentos, casas ou apenas de terrenos.
Tão certo é, que no momento de adquirir a “casa” própria ou o primeiro passo para ela (terreno) o adquirente está a realizar um sonho quase instintivo do ser humano, tal é a importância que normalmente é dada pelas pessoas em pisar no chão que é seu.
Essa relação, portanto, vai além de uma relação de compra e venda, ao menos pela parte do adquirente, o que o deixa em uma situação vulnerável, visto que a paixão que envolve o momento desliga seu senso crítico para algumas coisas e ele acaba se mostrando mais crente que o normal, porque quer acreditar que aquele negócio da “China” é verdadeiro.
É exatamente neste momento, atingindo uma verdadeira fraqueza do consumidor, alguns fornecedores vilipendiam direitos dos consumidores.
Em que pese a existência de situações que violam os direitos dos consumidores em todas os casos citados no início do post, concentro minha análise nos loteamentos de terrenos e de casas.
Nestas situações é comum que o consumidor adquira o terreno ou a casa na crença de que receberá um empreendimento urbanizado, apto a se morar com dignidade, sendo na verdade mais que crença, direito legalmente previsto.
Infelizmente, é cada vez mais comum que estes consumidores se deparem, no momento do recebimento do bem adquirido, com imóveis localizados em áreas sem a menor condição de moradia e recebam dos vendedores a absurda resposta de que não há obrigação contratual de urbanização.
Tenho alguns clientes nesta exata situação e não me parece haver outro caminho que não a busca do judiciário para resolvê-la. Infelizmente me deparei com uma sentença, dias desses, que me deixou perplexo. O magistrado entendeu que a falta de previsão contratual expressa exonerava o loteador e foi além, acatou a reconvenção condenando o consumidor ao pagamento das quantias que havia suspendido.
A decisão entendeu o contrato de promessa de compra e venda é negócio bilateral, cujas disposições ou regras devem ser, para aquele negócio jurídico, devidamente observadas, sendo o princípio da força obrigatória dos contratos um dos princípios fundamentais das relações contratuais. Em seu sentir, a ausência de cláusula contratual que obrigue a loteadora a entregar ao requerente lote de terra com rede de água, de energia elétrica, de iluminação pública e de esgoto, galeria de recolhimento de águas pluviais, guias, sarjetas e pavimentação, gera a improcedência da ação, havendo, contudo, cláusula que obriga o consumidor ao pagamento das parcelas.
Em minha humilde opinião há três premissas básicas que não poderiam deixar de ser consideradas, sob pena de se deixar de alcançar o objetivo mais caro da tutela jurisdicional, que é a efetiva distribuição de justiça. São eles i) que contrato algum pode se sobrepor ao ordenamento jurídico pátrio, ao revés a ele deve estar coadunado; ii) que a relação entre os contratantes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor; iii) que a interpretação de qualquer contrato, à luz da nova sistemática constitucional do ordenamento pátrio, há de realizar a luz da função social do contrato e do princípio da boa-fé objetiva.
Tais premissas, embora pareçam óbvias, precisam ser destacadas. Interpretou-se o contrato como se fosse um ente jurídico alheio ao ordenamento pátrio; ignorou-se que a relação existente é de consumo; e interpretaram-se alguns dispositivos com uma cabeça ainda voltada para o pensamento eminentemente liberal do antigo código, esquecendo-se da nova sistemática do sistema privado pátrio, à luz do código Civil de 2002.
Analisando-se as premissas lançadas, há de se reconhecer que a permissão estatal para que a vontade de particulares, livremente manifestada ganhe força de lei entre eles, não se efetiva (como qualquer direito legalmente previsto) da maneira que aprovem as partes. A faculdade de contratar se exerce margeada pelo sistema jurídico pátrio, uma vez que da mesma forma que uma mão autoriza tal avença, com a outra a regula.
Daí se constatar que há requisitos subjetivos e objetivos que limitam o direito de particulares de criarem direitos e obrigações entre si, sobretudo, na nova sistemática do direito privado pátrio, cada vez mais distante do liberalismo contratual e mais próximo de um dirigismo contratual calcado na função social do contrato e na boa-fé objetiva.
Deixando de lado a questão dos requisitos subjetivos (pois presentes no presente caso) de bom alvitre recordar que aos contratantes não é permitido contratar de forma contrária que estipula a legislação pátria, sobretudo, quando esta possui clara natureza de ordem pública.
Em face disso, não se permite estipular cláusulas ilegais, ou seja, que violem o ordenamento pátrio, exatamente por isto a ausência de previsão contratual a respeito das obrigações da apelada, em urbanizar o loteamento, em nada afetam a obrigação legal de todo e qualquer loteador.
A liberdade de que gozam as partes para contratar seria bastante ampla, não fosse esta balizada pelos demais princípios norteadores da disciplina jurídica dos contratos, bem como condicionada pelo dirigismo contratual.
Ao construir o raciocínio de seu julgamento partindo da premissa de que não existe a obrigação contratual do loteador em urbanizar o lote vendido, o julgador ignorou os termos do CDC, bem como das disposições atinentes à urbanização de lotes de terra.
Em face da expressa determinação legal (matéria de ordem pública), mesmo na hipótese de se afirmar expressamente que o loteador não possuía tal obrigação, a mesma subsistiria em face da natureza de ordem pública da lei mencionada, bem como das regras esculpidas no CDC.
Há no mínimo dois diplomas legais que expressamente reconhecem a obrigação da apelada em urbanizar o loteamento, a Lei 6.766/79(que não sequer foi enfrentada pela decisão e que não só estipula a obrigação do loteador, como prevê expressamente o direito do loteado de suspender o pagamento, quando de situações como a ora enfrentada) e a Lei 8078/90(CDC).
A referida decisão fez do contrato assinado uma regra inarredável, destacando institutos como o pactua sunt servanda, como se o único a estar submetido às determinações contratuais e legais fosse o consumidor, ignorando que o apelado pautou toda sua conduta, desde a fase pré-contratual pela má-fé, fazendo com que o consumidor cresse que o loteamento seria urbanizado.
Não se pode ignorar que o consumidor tem como direito básico receber informações adequadas, claras sobre o produto a ser adquirido (art.6º, III), recebendo proteção legal não apenas durante a fase contratual, mas também na fase pré-contratual, sendo protegido contra publicidade enganosa (art.6º, IV), além de merecer o efetivo acesso a prevenção e reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.(art.6º, VI e VII).
Por fim, há de se atestar que ainda que não se aplicasse o CDC (o que se considera apenas a título hipotético) a interpretação ofertada pela sentença, as regras contratuais pátrias, foge completamente à teleologia da CF/88 e do novo CC/02, sobretudo quanto aos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
Relevante, desde logo, destacar, em face dos fundamentos da sentença recorrida, toda calcada na força vinculante do contrato (em apenas uma via, diga-se de passagem) a estrutura principiológica da disciplina dos contratos após o advento da Carta Política de 1988.
O que se verifica pós Constituição Cidadã é que o contrato ganha uma série de princípios os quais mutuamente se relativizam. É um verdadeiro sistema de freios e contrapesos, à exemplo do que ocorre em vários aspectos do direito constitucional, de maneira dialética, em que os princípios do contrato se impõem limitações.
É claro que, guardadas as devidas proporções, este pretenso sistema de freios e contrapesos próprio da principiologia contratual moderna fica muito claro em algumas situações, como, à guisa de exemplo, o aparente conflito do princípio da autonomia da vontade, o qual é limitado pelas princípio da supremacia das normas de ordem pública, da dignidade da pessoa humana, da função social do contrato, e da boa-fé objetiva.
De fato, a nova estrutura principiológica posta pelo Código Civil de 2002 encontra fundamento teleológico em alguns princípios constitucionais implementados na Magna Carta de 1988. Dentre estes, figura a dignidade da pessoa humana.
Apesar deste princípio constitucional não integrar, propriamente, a disciplina jurídica dos contratos, não se pode deixar de fazer menção a ele, dada sua magnitude e a relevância para qualquer estudo no âmbito das relações de direito privado.
Este princípio não é, tecnicamente, parte integrante da disciplina jurídica dos contratos. A dignidade da pessoa humana é ideal de marcante caráter constitucional o qual, em vista de sua importância, tem forte aplicação nas relações de direito privado.
Em face de sua aplicabilidade mais clara a este caso concreto, de se destacar de maneira detalhada, que a relatividade subjetiva do contrato encontra seu maior contrapeso na função social do contrato. A função social do contrato impõe que o contrato deve ser considerado para além da esfera individual das partes. Deve, nesta esteira, ser benéfico não só para as partes como para a coletividade.
A relatividade subjetiva do contrato encontra seu contrapeso na função social do contrato. A função social do contrato impõe que o contrato deve ser considerado para além da esfera individual das partes. Deve, nesta esteira, ser benéfico não só para as partes como para a coletividade.
Para se fazer a análise do princípio da função social do contrato deve-se necessariamente ter em mente que o processo de socialização por que passou o direito civil contemporâneo, oportunidade em que ocorreu verdadeira mudança paradigmática no enfoque do legislador, teve origem e substrato na Magna Carta de 1988.
Outro princípio informador da disciplina dos contratos de estrema importância a análise do presente caso é o princípio da boa fé objetiva. A boa fé é, antes de ser um dogma jurídico, um preceito de fundamento ético que estabelece que a conduta do homem deve pautar-se em consonância com ideais de honestidade, probidade e lealdade.
Olá, Ney Bastos quero tirar uma dúvida se possível. Me mudei há um ano para um loteamento recente em um bairro longe de onde morava. Este loteamento não tem calçamento, não tinha distribuição de água, não tem iluminação pública, e até o inicio do ano não havia postes de alta tensão para fazer a ligação no relógio de luz. O loteamento fica próximo a um boeiro com esgoto aberto, este tem 10 metros de profundidade e era um antigo córrego que desembocava no rio. Na entrado do loteamento ha um terreno de 30 metros de largura por 10 de profundidade que não pertence ao dono do loteamento por ficar à beira do boeiro. Neste terreno todos os moradores do bairro e o proprio dono do terreno jogam lixo que cobre metade da rua. A rua que passa por dentro do loteamento é, segundo a prefeitura de minha cidade, a continuação de outra rua, uma quadra de distancia do loteamento. Pois bem, a iluminação publica, a pavimentação, a construção de meio-fio, cabe à prefeitura, porem ela – prefeitura – diz que não pode fazer nada disso pois a rua passa por dentro do loteamento que não é desmembrado. O loteamento constitui-se de 20 terrenos e apesar de minha mãe ter assinado um contrato de venda de terreno e ja ter construído casa e pedido um numero na prefeitura e pedido a concessionária de água uma ligação para sua casa o IPTU é um só. E agora a dona do loteamento quer que os seus locatários ajudem-na a pagar o imposto.
Bom queria saber quais as OBRIGAÇÕES de um loteador que não quer – não sei o motivo – desmembrar os terrenos, para que a prefeitura cumpra com suas obrigações (pavimentação, iluminação)
Obrigado