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O Direito de Não Esperar Pelo Juiz

Em determinada ocasião compareci a um dos cartórios dos juizados especiais desta capital para participar de audiência de instrução e julgamento designada para o horário de 10:30h.

Ocorre que o magistrado competente para presidir a audiência não se encontrava no recinto por estar acumulando funções em outro juizado.

Pois bem, passada uma hora sem que o MM. Juiz comparecesse ao juizado onde a audiência do meu cliente seria realizada, achei por bem fazer uso de uma das prerrogativas profissionais do advogado. Pedi que o cartório certificasse a hora e a ausência do magistrado e, munido da certidão requerida, retirei-me do recinto após comunicação devidamente protocolizada ao juízo.

Fiz isso por conta de um direito que, apesar de textualmente previsto no art. 7º, XX, do Estatuto da OAB, infelizmente é muito pouco utilizado pelos colegas advogados:

“Art. 7º São direitos do advogado:

XX – retirar-se do recinto onde se encontre aguardando pregão para ato judicial, após trinta minutos do horário designado e ao qual ainda não tenha comparecido a autoridade que deva presidir a ele, mediante comunicação protocolizada em juízo.”

A rigor, nem seria necessário me municiar de certidão. A obtive por mera cautela, pois a lei autoriza o advogado a se retirar após protocolar simples comunicação ao juízo.

Para minha surpresa, obtive a informação – através do acompanhamento processual realizado no site do TJ/AM – que o magistrado realizou o pregão da audiência e, na oportunidade, “indeferiu” o pedido realizado naquela petição, bem como decretou a revelia do meu cliente.

Ocorre que a peça protocolizada não era um requerimento para ser deferido ou indeferido pelo magistrado. A hipótese do art. 7º, XX do Estatuto é uma daquelas raras hipóteses em que o advogado não pede, mas sim comunica ao juízo que está exercitando um direito previsto em lei.

O julgador pode deferir ou indeferir os pedidos que lhes são dirigidos. Mas ao magistrado não é dado indeferir um direito previsto em lei para proteger o advogado contra atrasos do próprio juiz.

É desnecessário delongar-se acerca da gravidade de uma decisão neste sentido, visto que esta implica em cerceamento de defesa, violando frontalmente o princípio do devido processo legal.

Não tenho dúvidas de que a decisão proferida pelo MM. Juiz será reformada na instância recursal, mas se as prerrogativas contidas no Estatuto da OAB fossem verdadeiramente consagradas e se a teórica isonomia entre advogados, juízes, promotores, etc, tivesse aplicação prática, com absoluta certeza não precisaria utilizar nenhum remédio jurídico para reverter a situação relatada, pois ela sequer existiria.

Além disso, direitos não exercitados atrofiam e deixam de existir. Se todos os advogados se valessem rotineiramente da prerrogativa citada, os magistrados estariam acostumados à hipótese de sua aplicação. No entanto, o uso de tal direito é tão raro que é quase um evento nos cartórios amazonense (e não é por conta da assiduidade inglesa dos nossos julgadores). Portanto, é uma ocorrência tão esporádica que o juiz mal sabe lidar com tais situações,e, em alguns casos, fica irritado com o advogado que faz valer o seus direitos.

Então chego ao objetivo deste post: conclamo os colegas a não deixar que nossas prerrogativas virarem uma mera curiosidade literária. Vamos fazer uso frequente dos direitos que a lei nos assegura. Recomendo aos colegas que incluam no kit de audiências (petição, substabelecimento, atos constitutivos, carta de preposição, etc…) um formulário da comunicação do art. 7º, XX da EAOB, para, sempre que necessário, evocar a proteção legal.

Afinal de contas, só teremos nossos direitos respeitados se passarmos a exigir a sua observância.

13 comments to O Direito de Não Esperar Pelo Juiz

  • [...] This post was mentioned on Twitter by bLex Blog Jurídico, Aruana Brianezi. Aruana Brianezi said: RT @bLex_com_br: O Direito de Não Esperar pelo Juiz, por Fábio Bandeira http://bit.ly/5z6jr5 [...]

  • Eduardo Bonates

    É meu nobre, aquilo que deveria se cumprir por educação, o horário, nem mesmo por imposição legal é respeitado nessa terra!

    O mais incrível é que o magistrado, logo ele, descumpriu de uma vez só duas determinações legais, não só a supracitada, como tabmém a Lei Orgânica da Magistratura, no que diz respeito ao horário de trabalho.

  • Estudando Para a OAB

    Ótimo Post! Uma sugestão ou pode ser até um pedido? Os doutores bem que poderiam disponibilizar um modelo de uma comunicação dessas para ajudar os colegas de profissão mais novatos.

  • Rookie

    Teria sido acometido por uma crise de “juizite” o nobre magistrado??? Afinal, juiz não erra, apenas, equivoca-se. O povo quer saber…
    Mais desagradável ainda é quando os “superiores” (recursal)dão um puxão de orelha no “de cujos”, lhes mostram o erro e fica aquele clima de animosidade entre o advogado e o “nobre” julgador.
    Já passei por isso e confesso, foi desconfortável, afinal, naquela época, eu tinha plena certeza e tinha o magistrado como uma pessoa que jamais erraria. Ledo engano.

  • Fábio Bandeira de Melo

    Eduardo, neste caso específico não questiono a ausência do magistrado, uma vez que ele estava acumulando funções em outro juizado. “Apenas conclamo os colegas a não deixar que nossas prerrogativas virem uma mera curiosidade literária. Vamos fazer uso frequente dos direitos que a lei nos assegura”.

    Aruana, “Estudando para a OAB” e Rookie: obrigado pela participação no bLex!!! Continuem comentando, afinal a participação de vocês é de extrema importância para a existência deste universo de discussão.

  • Carlos Oliveira

    O triste é saber que ao exercermos nosso direito, acabaremos prejudicando o direito do cliente, principalmente se este for o demandante, já que provavelmente nova audiência será marcada longos meses depois…

  • Fábio Bandeira de Melo

    Caro Carlos… Neste caso específico a pessoa que mais se prejudicou foi o requerente (parte adversa), uma vez que conseguimos uma liminar para suspender o processo de conhecimento até o julgamento do mandado de segurança. Daí eu pergunto: Não seria mais simples e “célere” redesignar a audiência?

  • Eduardo Bonates

    O Carlos está correto!

    Quando estamos pelo Requerente a situação se mostra absurda, pois ou aguardamos os magistrados aparecerem para trabalhar ou redesignamos a audiência para daqui a alguns meses!

    Então surge a dúvida surreal: melhor esperar por horas ou meses (correndo o grande risco de também haver atrasos na audiência redesignada)?

    Situações semelhantes são vividas na Justiça Trabalhista hein!

  • Carlos Oliveira

    Pois é… eu já tinha imaginado que o requerente foi o maior prejudicado. Não bastasse a redesignação da audiência, ainda teria que ter esse incidente discutido, tudo por conta do orgulho do magistrado.

  • justice for all

    Entendo que recorrer é sempre a solucao, no entanto,como devemos proceder quando há visível idiossincrasia por parte do magistrado? Explico: Acompanhando como testemunha de uma amiga nos juizados especiais num processo por devolver um carro alugado e que estava visivelmente empoeirado(sujo) haviam fotos que mostravam um carro apenas e tao somente empoeirado, não danificado(nem batido tampouco capotado). As mesmas fotos vistas por quem quisesse ver mostravam isso. Só que o“excelencia“ ao sentenciar“viu“ que, na visào dele com “clareza solar que o carro estava em estado deploravel“ e concedeu um valor colocando pecas de reposicao referentes a revisao, ar condicionado, pastilhas de freio, enfim, reposicao pertinente ao dono e nao a locatária num valor asbsurdo.Se denunciá-lo na corregedoria, fica aquele clima péssimo. Pagar é inviável, como proceder se na defesa da amiga o “digno magistrado“ sequer leu o que registrava exatamente isso? Confesso que estamos muma posicao desconfortável. obrigada

  • Hugo Mader

    Prezado Dr. Fábio,
    gostaria de lhe fazer uma pergunta elementar: aqui na Argentina, onde moro, quando um juiz, ainda na fase de instrução de um processo, se transfere para um determinado local – digamos, um hospital – para tomar declarações de pessoal que importa ouvir para instruir o processo, se diz “Constitúyase el juzgado el día lunes en el Hospital…etc”. Em tradução literal: “Constitua-se o juizado…”. Em português, como se diria isso?
    Muito obrigado por qualquer luz,
    Hugo

  • Vitoria

    Caro Dr. Fábio
    Aconteceu a mesma coisa comigo. O juiz estava atrasado 1h30m!!!
    Só que como viajei 200km p/ chegar na audiência (aij) e a cliente bem idosa (85 anos) que mal podia andar, então pensei em fazer o que vc fez, mas depois tive uma outra atitude. Conversei com o promotor p/ tentar resolver a situação em virtude da limitação da cliente. Aconteceu q. ele ligou para p juiz e dirigiu a audiência!! Conclusão o juiz julgou procedente e a idosa aposentou!!!! Acho que devemos lançar a mão do princípio do “jus experniandi”. Mas isso dependerá da situação, pois cada caso é um caso!!!
    Um abço.

  • jefferson

    Doutor, entrei com processo federal contra uma instituição. porem o juis errou e mandou citar a mesma com um assunto nada a ver era danos morais e ele intimou a parte para juntar documentação referente ao plano color(?????????????????)
    o que faço. Ja tem 03 meses que meu advogado pediu correção.

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