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Serviço Baré III: O Lixo Que Querem Nos Vender Para Comer

ATUALIZADO COM CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR RODRIGO DIAS.

Nota: Este post – que não tem abordagem jurídica e faz parte da quota de temas livres do autor – faz parte de uma série que comenta os problemas crônicos de prestação de serviços em Manaus. Para visitar os demais posts da série, clique neste link.

Uma das músicas nacionais que mais me incomodou na adolescência foi O Resto do Mundo de Gabriel, o Pensador. A letra é uma narrativa de primeira pessoa do cotidiano de um indigente, cuja maior aspiração na vida é morar num barraco de favela. Em determinado trecho – que, devo dizer, deixou marcas profundas na minha impressionável consciência adolescente – a música fala da experiência de sobreviver do lixo alheio:

Eu gostaria de ter um pingo de orgulho
Mas isso é impossível pra quem come o entulho
Misturado com os ratos e com as baratas
E com o papel higiênico usado
Nas latas de lixo
Eu vivo como um bicho ou pior que isso

Eu sou o resto
O resto do mundo
Eu sou mendigo, um indigente, um indigesto, um vagabundo
Eu sou… Eu num sou ninguém

Das cenas provocadas pela miséria humana, uma das que mais me parte o coração é ver pessoas procurando por alimento no lixo.

Afinal, ver um cidadão tão necessitado, tão dobrado pela fome que se vê forçado a catar comida dentre os detritos dos mais abastados é o suficiente para tirar o sossego de qualquer um que não tenha um coração de pedra. É a memória dessas cenas que me leva a contribuir para amenizar as desigualdades sociais herdadas por esses pobres cidadãos. E é assombração dessa visão que me leva a dobrar os joelhos e agradecer ao Senhor por ser um daqueles que – sem qualquer mérito próprio – foi abençoado de nascer numa família que me deu condições, desde o berço, de viver dignamente.

Aparentemente, o supermercado Carrefour da Paraíba está praticando uma ação social pouco difundida: quer que todos os seus consumidores sintam na pele como é ter que catar verduras no lixo. Mas tem um diferencial: para ter o privilégio de escolher comida no lixo, querem que os consumidores paguem preços exorbitantes.

Explico.

Normalmente faço compras supermercados de outras redes. Mas, no final de semana retrasado, fui fazer compras com a minha digníssima e, por conveniência (estávamos indo ao Manauara) decidimos experimentar o Carrefour da Paraíba.

Lá, descobri esse relevante projeto social empreendido pela multinacional francesa.

Para ser sincero, levou um tempo para sacar o que estava acontecendo. Começou quando vi o sofrível estado das cebolas oferecidas ao consumidor. Até então, pensava que era apenas um vacilo do controle de qualidade.

No entanto, comecei a desconfiar de algo quando fui comprar os tomates. Além de podres, e com fungos à mostra, os tomates – em pleno supermercado – estavam infestados de pequenos insetos voadores. Achei muita coincidência: cebolas podres, tomates podres….

… mas só pude ter certeza mesmo depois de ver o estado da couve-flor, que ao invés da costumeira cor branca, estava infestada de fungos, amassada, aguanda, recheada de misteriosos pontos marrons e pretos…

… ai só então tive certeza do que estava acontecendo. Um produto podre nas prateleiras é atribuível a erro do controle de qualidade. Dois produtos podres, podem até ser coincidência. Três ou mais produtos podres, só pode ser campanha institucional do estabelecimento. Como não consigo acreditar que uma rede multinacional como o Carrefour tenha a cara de pau de simplesmente tentar empurrar injustificadamente múltiplas verduras podres para as cestas seus consumidores, a única explicação lógica que resta é essa tentativa de conscientização.

Portanto, quem quiser saber quão degradante é a experiência de escolher sua comida no lixo, mas não quer se aporrinhar “com os ratos e com as baratas/ E com o papel higiênico usado
/ Nas latas de lixo
“, basta se dirigir ao Carrefour da Paraíba. Ah, e também tem que estar disposto a pagar preço de verduras normais.

*****

Atualizaçao: O Leitor Rodrigo Dias entrou em contato com bLex para dizer que a campanha está ocorrendo, pelo jeito, em várias lojas do Carrefour em Manaus. Prova disso é o estado dos maracujás encontrados pelo leitor  noutro estabelecimento da rede:

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