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Quem Vem Com Tudo Não Cansa

Acabo de bacharelar-me em direito pela Universidade Federal do Amazonas. Não foi nada fácil. Foram quatro anos em que praticamente desbravei a mata amazônica intelectual. Minto. Do ponto de vista estritamente acadêmico, a Amazônia está mais para o Saara do que para a rica diversidade da fauna e flora tropicais. Entre mortos e feridos, porém, salvaram-se todos.

De canudo na mão é hora de estufar o peito e bradar aos sete ventos: E agora?

Faço parte do não tão seleto grupo composto por aqueles que já finalizaram o curso de direito, mas não lograram êxito em nenhum concurso público. É o famigerado limbo jurídico. É estar entre o céu e o inferno, no amargo meio-termo entre o acadêmico e o operador do direito.

De onde estou, todavia, tenho uma visão privilegiada. Muito porque, apesar de já ter concluído os ensinamentos básicos da lei (e no que os tribunais dizem ser a lei) não possuo experiência profissional. Isto me habilita a questionar: para onde está caminhando a justiça?

Se é que esta velha senhora caminha.

Este tipo de questionamento é novo para mim. Faço parte de uma geração politicamente apática. Não vi a ditadura e durante o primeiro aborto democrático do país eu ainda me interessava muito mais por bola de gude e futebol de botão. Durante a sanha das privatizações eu ouvia muito e entendia muito pouco. Até confesso que mais por desinteresse do que por qualquer outra coisa. Não é preciso muito para notar que eu sou meio avesso a essa coisa toda de política. Políticos não me levam a sério. Eu só devolvo na mesma moeda.

Mas o tempo passa e a coisa muda. O tempo passa e a gente começa a sentir a necessidade de saber o que se passa. É aí que eu me pergunto: para onde vai a justiça? Onde é que eu estou amarrando meu burro?

Do alto de minha imaturidade – tanto profissional quanto pessoal – ouso lhes tentar responder. A justiça caminha com os passos dos seus operários e na direção que estes determinam, ainda que este batalhão de novos profissionais nade contra a maré. A cada geração de novos operadores do direito renasce a esperança de que se possa mudar um sistema viciado e falho. E é nestas verdadeiras “peças de reposição” é que repousa a expectativa de mudança.

Um sistema só é tão bom quanto seus componentes. Só funciona se houver perfeita interação entre suas engrenagens. Algumas destas engrenagens não funcionam mais. Já estão desgastadas.

Diz-se muito para o recém bacharel em Direito. Fala-se sobre justiça e mais ainda sobre fazer a diferença. Fazer a diferença porque dentro de cada calhamaço de papel há uma vida e um destino.

Não poderia concordar mais. Todo bacharel em Direito deve ouvir estas verdades porque a responsabilidade que cada um de nós carrega é absurda. Por mais que o número de processos seja extraordinário e isto transmita uma falsa sensação de que o impacto social não é assim tão grande, ainda há a responsabilidade imensa. O direito é um instrumento de mudança social.

Acho, porém, que algumas destas palavras também poderiam ser destinadas aos profissionais que já estão atuando há tempos. Não que eu não encontre exemplos do contrário, mas muitos destes profissionais não encontram mais o mesmo entusiasmo de antes para fazer frente às sucessões de injustiças geradas pelo citado sistema falho. É compreensível. Nadar contra a corrente de fato é cansativo.

A estes futuros colegas deixo a certeza de que vem por aí uma geração com vontade e ciente do tamanho da responsabilidade. Espero que esta nova safra de bacharéis traga de volta o sentimento de nostalgia dos primeiros anos na labuta, e que este seja contagiante. Se esta vontade de construir algo melhor será materializada, ou não, é incerto. O que é certo, no final, é que quem vem com tudo não cansa.

8 comments to Quem Vem Com Tudo Não Cansa

  • Ney Bastos

    Caro Fábio,

    Espero de coração que vc tenha afirmado que está no limbo porque o concurso público que vc ainda não passou é o Exame de Ordem, porque caso contrário terei que reconhecer que falhei em demonstrar a vc, enquanto meu estagiário, que a advocacia está longe de um limbo jurídico e o advogado é um grande operador de direito, peça fundamental na engrenagem que vc indicou no post.

    Sou advogado por vocação e se vc resolver trilhar esse caminho que seja pelo mesmo motivo.

  • Justiniano Lex

    Foi uma bela demonstração dos anseios de jovens advogados ou recém formados no curso de Direito, creio que o bojo desta explanação se refira a incessante luta para buscar a concretização de nossos sonhos, no caso acima (a reinvenção de nosso sistema judiciário). É de solar percepção que como todas manifestações do seres humanos, são passiveis de erros e desencontros, e por isso cabe a nós, futuros operadores do direito, laborar para a melhora de nossa velha justiça. Poderia citar diversas situações e publicar N fatores que me levaram a me apaixonar por esta ciência, porém, termino este singelo comentário com as palavras do Sr. Ney Bastos que declarou no post anterior a este: “Sou advogado por vocação” e é com este intuito que pretendo seguir, (o que até agora acho) ser minha verdadeira vocação.

    Boa sorte à todos os jovens advogados e aos novos bacheréis.

    ps. Barão vermelho, não teria banda melhor para sintetizar a rebeldia de uma juventude que vai com sede em busca de seus ideais.

  • Fábio Lindoso e Lima

    Caro Ney,

    O exame da OAB é um concurso público e é dos mais importantes. O dito limbo é o período entre a conclusão do curso de direito e a aquisição da carteira (ou do início de qualquer outra carreira). E advocacia de limbo não tem nada. É o advogado quem transforma os fatos da vida em fatos do direito, tornando possível o acesso do jurisdicionado ao Poder Judiciário e é isto torna o mister do advogado tanto louvável quanto satisfatório.

    Espero ser dirimido suas dúvidas. Forte abraço!

  • LÁ DO ALÉM

    Vc demonstrou ser um jovem idealista, siga em frente, sucesso, felicidades, e olha não se deixe corromper pela “engrenagem juridica”

  • Gerson Viana

    É, meu amigo, que o nosso entusiasmo se transforme em atitudes concretas. O teu texto resume um pouco dos momentos da nossa turma e o nosso desejo de mudança, de representar o novo. Desde a colação, culto e missa manifestamos a satisfação da concretização do nosso sonho, sem esquecer da responsabilidade para com a sociedade que bate as nossas portas. Enfim, como diz o nosso lema: quem vem com tudo não cansa, já que as dificuldades e desilusões não serão poucas.

  • [...] This post was mentioned on Twitter by bLex Blog Jurídico and Fer_, Brümmer Advocacia. Brümmer Advocacia said: RT @bLex_com_br: "Quem Vem Com Tudo Não Cansa". Crônica de um bacharél recém-formado. http://bit.ly/deCwIj [...]

  • Fana

    é vero, essa fase – limbo jurídico – foi perfeitamente descrita. acho que todos nós passamos por isto, senão a maioria.

    eu também me sentia assim e digo mais, ficava ansiosa por passar “na OAB”, queria advogar e mudar o mundo, ser a salvação, sabe como é?

    afinal de contas, era mais uma – entre tantos – bacharel em direito, desempregada!

    mas aí, quando consegui a carteira, notei que começar do zero era bem complicado, principalmente quando não se tem “nome famoso e conhecido” (acredito eu que não seja o seu caso, ehehehehehhe)… já que todos pedem uma referência e querendo (ou não) acabam por comparar aos pais “famosos”…

    depois disso veio a fase… “eu não consigo salvar o mundo porque o mundo já não tem mais salvação”…

    se nós, recém-formados, somos a esperança… acho que então precisamos de recém-formados em todos os setores, da política a aplicação das normas constitucionais, pois assim como o político não nos leva a sério, muitas das vezes, o juiz, o promotor e até o teu colega advogado também não nos leva a sério.

    precisamos repensar, ponderar e acreditar que o país precisa de ordem e de pessoas sérias, comprometidas com o ordenamento jurídico…

    do contrário, viveremos em um eterno “limbo”… já que a falta de comprometimento reina em boa parte do nosso campo de atuação!

    ahh, sei lá… desabafei!

  • [...] para retirar uma enorme parcela de jovens, senão do marasmo, mas pelo menos da apatia política. Num texto escrito por um jovem colega do escritório o @fabiolindoso, ele disse: Faço parte de uma geração politicamente apática. [...]

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