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TRE/AM nas Eleições 2010: Henrique Oliveira, uma vitória pírrica

Finalmente consegui um tempo para sentar e escrever sobre o caso Henrique Oliveira, ainda que com atraso. É que ontem tive um pequeno desvio de percurso por conta de um interessantíssimo “incidente” ocorrido na transmissão do Horário Eleitoral Gratuito mas que, por conta da minha política de não escrever aqui sobre casos que patrocino, não será – pelo menos por ora – narrado no bLex.

O objetivo deste post é analisar, do ponto de vista jurídico, o caso Henrique Oliveira.

Para quem não sabe, Henrique Oliveira é candidato a Deputado Federal no Amazonas e está encontrando problemas com a Justiça Eleitoral por conta de ter sido funcionário daquela especializada.

Na verdade, os problemas jurídicos assombram o candidato desde outros carnavais de Olinda (desculpem-me, não resisti). Aliás, para entender a decisão desta semana do TRE/AM é importante entender o histórico desses problemas.

Em 2008, Henrique Oliveira – enquanto ainda era funcionário da Justiça Eleitoral, mas licenciado para tratar de questões particulares – se candidatou ao cargo de vereador do Município de Manaus. O pedido de registro do candidato foi impugnado pelo Ministério Público sob a alegação de que o art. 366 do Código Eleitoral o tornaria inelegível.

O artigo em questão diz o seguinte:

Art. 366. Os funcionários de qualquer órgão da Justiça Eleitoral não poderão pertencer a diretório de partido político ou exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão.

O candidato era filiado ao PP enquanto ainda era funcionário do TRE/AM. Então alegava o MP que a filiação seria nula e portanto o candidato não poderia concorrer pois não tinha uma condição constitucional de elegibilidade (filiação válida a partido político com pelo menos um ano antes do pleito).

O Tribunal Regional disse que a penalidade do 366 era muito clara: a demissão do funcionário. Segundo a decisão do TRE em 2008, o art. 366 devia ser interpretado conforme a Constituição e como tal, afetaria apenas a relação do servidor com a Justiça e não a do candidato com o partido. Devo aqui fazer uma observação que, àquela época, Henrique era competentemente representado pelo nosso colega de blog Marco Aurélio Choy.

Com a decisão regional, Henrique participou da eleição de 2008 e foi o vereador mais votado de Manaus (aliás, um dos mais votados do país em termos proporcionais).

No entanto, o Ministério Público recorreu e em 2009 o TSE decidiu que a interpretação do TRE foi errônea. Disse o TSE que o art. 366 tinha sim o efeito de causar a nulidade de qualquer filiação partidária de serventuário da Justiça Eleitoral. Com isso, indeferiu o registro do candidato que consequentemente perdeu a sua vaga no parlamento municipal.

Se preparando para o pleito de 2010, o candidato pediu exoneração do TRE salvo engano em 28 de setembro de 2009. Se filiou ao PR no dia seguinte. Lembre-se que o candidato precisava estar validamente filiado em 03 de outubro de 2009 para concorrer ao pleito de 2010. O pedido de exoneração foi deferido por portaria da presidência do TRE datada de 14 de outubro, que foi publicada lá pelo dia 20 de outubro.

Henrique Oliveira requereu o seu registro para Deputado Federal agora em 2010. Foi impugnado de novo pelo Ministério Público sob dois fundamentos: (1) o candidato não poderia ser exonerado, à luz da lei do ficha limpa pois quando foi exonerado estava aberto procedimento no CNJ e (2) de que a exoneração só ocorreu com a publicação da portaria e portanto, em 03 de outubro de 2009 o candidato não estava validamente filiado a partido político.

O TRE rejeitou a primeira tese, pois disse que o processo do CNJ não constituía procedimento administrativo que impedia a exoneração do servidor.

Quanto à segunda tese, a relatora do processo afirmou – após uma análise sob o prisma do direito administrativo – que o candidato ainda era servidor até a publicação da portaria. Seu vínculo com a administração só deixou de existir com a publicação da portaria que deferiu o pedido de exoneração. Portanto, na data-limite de 03 de outubro de 2009, o candidato não era validamente filiado a partido político e assim é inelegível.

No entanto, a relatora foi vencida. Em voto divergente, o juiz federal que compõe o TRE/AM reconheceu que todos os fatos estabelecidos pela relatora são corretos: o candidato de fato era servidor na data de 03 de outubro de 2009 e sua relação com a administração só deixou de existir em meados de outubro. No entanto, o juiz federal determinou que o art. 366 do código eleitoral não tem o efeito de interferir na validade da filiação partidária, mas sim o de causar a demissão de servidor. Todos os demais membros da corte acompanharam a divergência e ao juiz federal coube a incumbência de redigir o voto vencedor.

Se o leitor teve a impressão de dejá-vu não foi à toa. A interpretação dada pelo TRE em 2010 ao art. 366 do Código Eleitoral no caso do Henrique Oliveira é uma repetição da interpretação dada em 2008 para o mesmo artigo em caso do mesmo candidato e que o TSE já decidiu estar absolutamente equivocada.

Aliás, fico imaginado esse caso chegando no TSE e os ministros perguntando retoricamente durante a sessão: “Vem cá. Nós já não decidimos em 2008, em caso que veio do mesmo Tribunal Regional, em relação ao mesmo candidato que esse mesmo fundamento jurídico é furado?”

Mantida como está, a decisão do TRE/AM é a pior vitória possível para o candidato, pois praticamente garante uma derrota no TSE.

Exatamente por conta disso, imagino que os vários advogados que hoje trabalham para Henrique Oliveira vão tentar dar um “jeitinho” para mudar o fundamento da decisão. Acho difícil, pois o resultado está proclamado e na sessão todos os membros da corte expressamente aderiram à divergência. Creio que o time de juristas de Henrique deve tentar a via de embargos de declaração para modificar o fundamento da decisão aqui embaixo pois, se subir como está, a eventual vitória nas urnas do candidato fatalmente terá como prazo de validade a data de julgamento do recurso no Tribunal Superior Eleitoral.

Assim como em 2008, Henrique conseguiu uma bonita vitória no tribunal daqui. Mas, assim como em 2008, e pelo exato mesmo motivo, se não conseguir uma gambiarra para ajeitar a decisão do Regional, sua vitória será tão relevante quanto foi a de Pirro.

Sob vários ângulos, a história se repete.

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10 comments to TRE/AM nas Eleições 2010: Henrique Oliveira, uma vitória pírrica

  • ou seja, lá se vai o moluscão novamente…

  • yuri

    mas nogueira, se essa decisao do TSE sair apenas depois das eleiçoes, seria tbm como em 2008, os votos ficariam para a legenda? ou se invalidaria os votos?

    obrigado

  • Douglas

    Daniel, vc sabe o motivo da saída dele do PP? foi algum efeito da condenação? ou vontade dele? não seria mais fácil e inteligente continuar no PP?
    Daí evitaria todas essas noites sem dormir???!
    Imagina se o eleitor entende que irá votar em alguém que nao irá permanecer no cargo?!

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Yuri,

    A lei mudou justamente para evitar esse aproveitamento de votos para a legenda.

    Com o advento da Leo 12.034, a Lei 9.504 (Lei Geral das Eleições) passou a ter a seguinte redação:

    “Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

    Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.”

    Portanto, o aproveitamento dos votos do Henrique para sua coligação só pode ocorrer se a decisão final da justiça for para deferir o seu registro.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Douglas,

    Pelo que sei, a mudança de partido foi ocasionada por conveniência política mesmo. Mas mesmo que ele continuasse no PP seria prudente, do ponto de vista jurídico, pedir nova filiação após exonerado.

  • Luis Felipe

    Como participei ativamente no final daquela demanda (a de 2008) enquanto advogado do assistente – DEMOCRATAS, conheço bem a decisão do TSE naquela demanda. Há aí um elemento (que prefiro não rememorar) que não foi mencionado.

    De qualquer forma, é interessante ver como a instância inferior tenta impor seu entendimento à superior, é uma coisa que eu sinceramente não entendo…

  • Caroline

    Daniel,

    Depois de tudo isso, ele ainda é candidato? Se for, como isso aconteceu?

  • Leitor

    O que lecionará o “Príncipe do Direito”?

  • Miau

    Não sei como o caso aconteceu, mas pelo que está escrito parece que vc disse que a exoneração dele foi a pedido, se foi mesmo já existem duas decisões de TREs, uma de cada (prefiro não dizer de que estados são esses tribunais, também só conheço essas duas), e uma foi confirmada pelo TSE, as duas iguais a esse caso que vc está relatando, nelas os TREs decidiram que a data do pedido de exoneração deve ser considerada como data de desimcompatibilização, não vou escrever mais, se os advogados do candidato quiserem saber mais que procurem e estudem, mas nesse caso esse Henrique estaria livre.

  • PORFÍRIO LEMOS FILHO.

    Daniel Jacob.

    A filiação entre o candidato e o partido não válida só servem pro dois. O Henrique Oliveira respondia um processo administrativo de exoneração que só convalida-se com a publicação do ato no Diário Oficial o que só ocorreu em dezembro/2009. Por isso o seu entendimento está corretissímo em prever a reforma do TRE pelo STE. O pai & filho da coligação do Henrique pensam que vão aproveitar os votos de legenda para eleger o filho (pior deputado federal) de todas as legislaturas federal do Amazonas. Ledo engano.

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