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Lei Complementar 135/2010 e a Competência do Juiz Auxiliar das Cortes Eleitorais

Até recentemente, o TSE entendia que as representações para cassar o registro ou diploma poderia ser divididas em duas famílias diferentes. De um lado, estavam as infrações tipificadas na Lei Geral das Eleições (Lei 9.504), que incluíam a captação ilegal de sufrágio (Art. 41-a), ilicitudes de arrecadação e gastos (art. 30-a) e condutas vedadas aos agentes públicos (art. 73). Do outro lado, figuravam as várias modalidades de abuso (de poder econômico, de poder político e de meios de comunicação) que estavam previstos na Lei Complementar 64/90.

A diferença entre essas duas famílias de ilicitudes não se limitava ao fato de, topograficamente, encontraram-se me normas distintas. Ao revés, enquanto as violações à lei complementar 64/90 culminavam em cassação e inelegibilidade por 3 anos, as violações à lei 9.504 tinha como consequência apenas cassação e multa, sem impedir os cassados de participarem de novas eleições.

Outra diferença entre esses dois grupos era a questão da relatoria natural do feito. O TSE, ao editar no final de 2009 a Resolução 23.193 (que cuida de procedimento) preocupou-se em diferenciar a quem seria competente para cada um dos casos, a saber:

Art. 20. As representações que visarem à apuração das hipóteses previstas nos arts. 30-A, 41-A, 73 e 81 da Lei nº 9.504/97 observarão o rito estabelecido pelo art. 22 da Lei Complementar nº 64/90, sem prejuízo da competência regular do Corregedor Eleitoral.

Parágrafo único. As representações de que trata o caput deste artigo poderão ser ajuizadas até a data da diplomação, exceto as do art. 30-A e do art. 81 da Lei nº 9.504/97, que poderão ser propostas, respectivamente, no prazo de 15 dias e no de 180 dias a partir da diplomação. (Parágrafo com redação alterada pela Resolução TSE nº 23.267, de 18/05/2010)

Art. 21. No caso de a inicial indicar infração à Lei 9.504/97 e também as transgressões citadas nos arts. 19 e 22 da LC nº 64/90, com ou sem pedido expresso das partes, o relator determinará o desmembramento do feito, remetendo-se cópia integral à Corregedoria Eleitoral para apuração das transgressões referentes à LC nº 64/90 (Resolução nº 21.166/2002).

§ 1º Caso a representação, nas mesmas circunstâncias previstas no caput, seja inicialmente encaminhada ao Corregedor Eleitoral, este determinará o desmembramento do feito, remetendo-se cópia integral a um dos Juízes Auxiliares para apuração das infrações à Lei nº 9.504/97.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo se o autor da representação informar, na inicial, haver ajuizado, ainda que concomitantemente, duas ou mais representações sobre os mesmos fatos, já previamente distribuídas ao Corregedor Eleitoral e aos Juízes Eleitorais.

§ 3º Contra a decisão que determinar o desmembramento do feito caberá agravo regimental, no prazo de 3 dias, podendo, também, ser ela revista por ocasião do julgamento da representação.

A dita resolução, criada antes do advento da Lei Complementar 135/2010, ecoou a jurisprudência do TSE no sentido de que a repartição de competência entre o Juiz Auxiliar e o Corregedor Eleitoral operava tanto por localização tópica do dispositivo dado como impugnado quanto pela consequência de sua condenação.

Assim, se a representação versasse sobre as condutas elencadas na Lei 9.504/97 (especialmente nos artigos arts. 30-A, 41-A e 73) seriam distribuídas as Juízes Auxiliares da Corte, pois a despeito de possibilitarem a cassação do registro ou diploma, nenhuma dessas condutas teria o condão de impingir aos condenados a pecha de inelegibilidade.

De outro lado, fossem as condutas arguidas de abuso de poder (previstas na própria lei das inelegibilidades, a Lei Complementar 64/90) a competência para processá-las e julgá-las seriam do Corregedor, cuja competência foi firmada na própria norma complementar (art. 22), diante da possibilidade de imputarem aos representados a inelegibilidade.

Pois bem.

Creio que o advento da LC 135/2010 – a famigerada Lei Ficha Limpa – modificou radicalmente esse cenário. Se é que essa norma é aplicável a esta eleição (o que é de questionável constitucionalidade), qualquer condenação eleitoral que ocasione a cassação do registro e diploma tem como efeito a imputação de inelegibilidade ao representado pelo prazo de oito anos. Não é outra a redação da Lei Complementar 64/90, tal como modificada pela dantes mencionada norma:

Art. 1º São inelegíveis:

I – para qualquer cargo:

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;

Portanto, acaso mantida a interpretação do TSE acerca da aplicabilidade imediata de Lei Complementar 135/2010, no moderno regime jurídico a violação aos arts. 30-A, 41-A e 73 implica em inelegibilidade idêntica àquela atribuída nos casos de abuso de poder.

Doutro giro, a própria lei de inelegibilidades originária (que é natureza Complementar) reservou ao Corregedor Eleitoral a relatoria natural de processos que culminassem em decretação de inelegibilidade. Fez isso diante da significância do gravame de inelegibilidade; afinal, o Corregedor – que nos Regionais é obrigatoriamente desembargador – tem presumidamente maior experiência do que os auxiliares (que ou são juízes de primeiro grau, ou juízes juristas). Além disso, o Corregedor conta com vasta estrutura de assessoria, maior do que de qualquer outro membro da Corte, com a possível exceção da presidência.

Assim, tenho que a interpretação sistêmica e histórica demonstra que a superveniência da Lei Complementar 135/2010 transferiu ao Corregedor Eleitoral a relatoria natural de todas as causas eleitorais que possam culminar em cassação, uma vez que a própria Lei de Inelegibilidades reservou àquela autoridade a presidência de feitos que pudessem implicar em potencial inelegibilidade aos representados.

Espero que essa questão, mais cedo ou mais tarde, chegue ao TSE, pois estou curioso para ver o posicionamento daquela Corte.

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