Arquivos

Precedente Acata Nova Tese de Defesa no Caso dos Doadores de Campanha Eleitoral

Atualização de 06 de maio de 2010: Pelo jeito, a questão da diferença de rendimento e faturamento bruto (e a consequente ausência de prova de faturamento bruto) vai virar uma questão acadêmica. O TSE acabou de firmar entendimento – com a explícita disposição de que é precedente da Corte a autorizar julgamentos monocráticos –  de que o prazo para a propositura de tais ações é de 180 dias contados do término da eleição, o que causará a extinção de todos os respectivos processos contra doadores. De qualquer modo, segue o post original.

Durante muitos anos o direito eleitoral era, em grande parte, um pacto de hipocrisia. Lembro quando comecei a advogar nesse ramo – literalmente, no século passado – que um grande profissional do ramo me disse: “No TRE é o seguinte: o candidato finge que se sujeita ao controle da Justiça Eleitoral e a Justiça Eleitoral finge que está controlando o candidato”.

Não precisa ser nenhum militante de causas eleitoralistas para perceber que a realidade hoje é bem diferente. Aliás, parece que o Movimento Pendular do direito está empurrando o Direito Eleitoral para a fase de excessos de modo que hoje estamos no outro extremo do contínuo, de modo que hoje se pune o Candidato com excessiva liberalidade (mas isso é matéria para outro post).

De qualquer modo, apesar do Direito Eleitoral estar positivado há muito tempo, só agora que alguns de seus institutos passaram a ter consequência prática. Assim, como tudo na vida, ao se transportar a regra jurídica para o mundo real pela a primeira vez, todos os atores do litígio eleitoral (juiz, ministério público, advogados) submetem a um processo de aprendizagem que está sujeito a erros e acertos.

Vejam, por exemplo, o caso dos doadores de campanha eleitoral.

O Ministério Público Eleitoral, pela primeira vez desde que atuo no eleitoral, ingressou com representações visando punir o excesso de doações por pessoas físicas e pessoa jurídicas a candidatos em campanha.

Numa atitude de questionável constitucionalidade, o TSE requisitou da Receita Federal dados da declaração do Imposto de Renda de todos aqueles que realizaram doações no passado, entregando tais dados ao Ministério Público Eleitoral.

Este, por sua vez, promoveu milhares de representações por excesso de doação. Só aqui no Amazonas foram centenas. O Ministério Público se baseou

comparou com a doação realizada e – tendo excesso – promoveu a representação.

O Ministério Público, no entanto, não se apercebeu de um pequeno, mas relevantíssimo detalhe: o rendimento sque consta do imposto de renda só serve de base de cálculo para o limite de doações de pessoas físicas.

Para o caso de doadores pessoas jurídicas, o rendimento é irrelevante. Para a pessoa jurídica, doar mais que 2% de seus rendimentos é fato atípico no direito eleitoral brasileiro. O rendimento bruto é a base de cálculo para determinar o limite de doação da pessoa física. Para a pessoa jurídica, o que a lei proíbe é que se faça doação superior a 2% do faturamento bruto:

Resolução TSE 22.250/06. Art. 14. A partir do registro dos comitês financeiros, pessoas físicas e jurídicas poderão fazer doações mediante cheque ou transferência bancária, ou ainda em bens e serviços estimáveis em dinheiro, para campanhas eleitorais. As doações e contribuições ficam limitadas:

I – a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, no caso de pessoa física;

II – a 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição, no caso de pessoa jurídica;

III – ao valor máximo do limite de gastos estabelecido pelo partido e informado à Justiça Eleitoral, caso o candidato utilize recursos próprios.

Eis que os conceitos tributários de rendimento e faturamento bruto são diversos e o Ministério Público Eleitoral só fez prova do primeiro. Assim, numa causa que patrocinei junto ao TRE/AM – que se tornou o leading case nesta corte sobre o tema – o tribunal reconheceu que, só havendo prova dos rendimentos, o autor não atendeu a seu ônus probatório (que seria [1] de provar a doação, [2] de provar o faturamento bruto e [3] de provar que a doação excedeu 2% do faturamento bruto), extinguindo a representação, com julgamento do mérito, por ausência de provas.

A quem interessar possa, eis a decisão vencedora, lavrada pela influente pena do Juiz Federal Márcio Luiz Coelho de Freitas:

VOTO DIVERGENTE – MÉRITO

O voto da i. Relatora fundamenta-se no entendimento de que são sinônimas as expressões faturamento bruto e receita bruta, tida esta pela Receita Federal do Brasil como sinônima também dos rendimentos declarados na informação constante dos autos.

De início, é de se ter claro que a teor do disposto no § 1º  do art. 81 da Lei das Eleições, “as doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição”, donde se conclui ser essencial à procedência da representação que esteja comprovado a doação e que o montante doado supere o limite legal, qual seja, 2% do faturamento bruto.

Neste ponto, releva notar que a jurisprudência pátria por longo tempo discutiu acerca do conceito de faturamento e sua equiparação ao conceito de receita, especialmente ante o disposto no art. 3º da Lei 9.718, que equiparou os dois conceitos, in verbis:

Art. 2º  As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001).

Art. 3º  O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001).

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

De notar que a questão era relativamente pacífica no âmbito da jurisprudência pátria, já que o Supremo Tribunal Federal, mesmo antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 20/98, entendia que o conceito de faturamento era equiparável ao de receita bruta, havendo mesmo decidido que “a alusão a ‘receita bruta’, como base de cálculo do tributo, para conformar-se ao art. 195, I, da Constituição, há de ser entendida segundo a definição do DL. 2.397/87, que é equiparável a noção corrente de ‘faturamento’ das empresas de serviço” (STF, TRIBUNAL PLENO, RE – 150755/PE, RELATOR MINISTRO CARLOS VELLOSO, DJ 20/08/93) – grifei.

Ocorre, entretanto, que o excelso pretório, na sessão plenária ocorrida em 9 de novembro de 2005, quando do julgamento dos Recursos Extraordinários n. 357.950/RS, 358.273/RS, 390840/MG, todos da relatoria do Ministro Marco Aurélio, e n. 346.084-6/PR, do Ministro Ilmar Galvão, consolidou o entendimento da inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS, promovida pelo § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/98, o que implicou na concepção da receita bruta ou faturamento como o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de mercadorias e serviços, quer da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.

Portanto, a informação constante dos autos acerca dos rendimentos da representada não serve, a meu sentir, para comprovar a efetiva violação ao limite legal de doação, dado que a informação refere-se não ao faturamento, mas aos rendimentos, que, como cediço, reflete dado diverso. Neste ponto, vale notar que a Receita poderia ter fornecido a informação relativa ao faturamento, dado que esta é a base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS. Ocorre, entretanto, que a informação constante dos autos, e na qual se fundamentou a representação não é esta, o que faz com que a hipótese seja de falta de provas suficientes para a condenação, por ausência de segurança cognitiva quanto ao faturamento auferido pela representada.

De se notar que muito embora na hipótese dos autos seja bastante plausível que, pela natureza da atividade econômica desenvolvida pela Representada, no seguimento de turismo, seu faturamento bruto decorra exclusivamente da venda de serviços, confundindo-se com as informações prestadas pela Receita a título de “rendimentos”, força é notar não há prova efetiva de tal fato e, ante o caráter extremamente gravoso das sanções aplicáveis, não vejo como possa ser proferida decisão condenatória.

Pelo exposto, voto, divergindo da i. Relatora, pela improcedência da representação.

É como voto.

Manaus, 20 de abril de 2010.

Juiz MÁRCIO LUIZ COELHO DE FREITAS

Relator

8 comments to Precedente Acata Nova Tese de Defesa no Caso dos Doadores de Campanha Eleitoral

  • Ricardo

    Salvo os eleitos, que estão obrigados a prestar contas da campanha eleitoral para poderem ser diplomados, nenhum outro candidato vai querer prestar contas antes de seis meses da diplomação.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Ricardo,

    Ledo engano. A ausência de prestação de contas (que não se confunde com a rejeição da prestação de contas) é uma das causas que autoriza o TRE a não fornecer quitação eleitoral. Assim, se o candidato não prestar contas, alem de ter problemas com uma eventual tentativa de reeleição, também não conseguirá tirar passaporte, fazer concurso público, etc…

  • Ricardo

    Caro Daniel, eu não disse que o candidato deixaria de prestar contas. Disse que o candidato não eleito prestaria contas somente seis meses após a diplomação dos eleitos, quando já passado o prazo para a propositura da representação por excesso de doação.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Ricardo,

    Bem pensado. Não tinha vislumbrado essa hipótese (aparentemente, o TSE também não).

    É um caso realmente interessante. Vamos esperar para ver a posição dos tribunais para essas hipóteses.

    Daniel

  • Douglas

    Nobre Daniel, como pode o juiz (TSE), agir sem provocação? ferindo o princípio da inércia do juiz?
    usurpando função do MP Eleitorla! neste caso seria obtenção de prova por meio ilícito? quebra de sigilo fiscal sem motivo justificado e por autoridade incompetente? uma vez que feriu a hierarquia da jurisdição? sendo o processo nulo por irregularidades em seu desenvolvimento?
    Ao meu ver é aberração jurídica o que o TSE iniciou, aguarado comentários abraços….

  • Roberta Reis

    Olá, Dr. gostaria de obter o inteiro teor e n. dessa Representação. Pois os site do TSE, para o Estado/AM não está diponível
    Fico no aguardo. GRata

  • Nathalia

    Olá Dr.,
    Eu como a colega Roberta gostaria de obter o número da representação. Gostaria também de saber se o prazo de 180 após a diplomação para propositura de reclamações também se opera para caso de doações realizadas a condidatos que não foram eleitos.
    Obrigada.

  • Noemia Fonseca

    Dr. Daniel
    ADOREI A SUA TESE JÁ VENCEDORA, MAS PROCUREI ESSE ACÓRDÃO NO TRE AM E NO TSE E NÃO O LOCALIZEI, NEM ENTRE AS DECISÕES DO JUIZ MÁRCIO LUIZ COELHO DE FREITAS – PRECISO DESSA AJUDA COM URGÊNCIA, PRÁ SEGUNDA FEIRA PELA MANHÃ – POR FAVOR INDIQUE O Nº DESSE ACÓRDÃO, DO RECURSO, POIS PRECISO MENCIONÁ-LO EM UMA DEFESA, CUJO PRAZO É SEGUNDA FEIRA.
    ME AJUDE.
    MUITO GRATA
    NOEMIA

Leave a Reply

 

 

 

You can use these HTML tags

<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>