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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: “Mais claro do que água de pote”

Nota: O autor, que foi convidado a contribuir com o bLex, é advogado, ex-deputado estadual e juiz de direito aposentado.

Já presenciei e advoguei várias causas polêmicas no Tribunal Regional Eleitoral. Ultimamente afastei-me um pouco, seja pela nostalgia das sábias decisões, seja pelo clima de intranqüilidade que reinava entre os dirigentes, que usavam um Tribunal do Povo como tatame para uma luta de questões pessoais.

Sem querer apontar culpados ou inocentes, até porque se a Força-Tarefa do Ministério Público, os Delessários de Polícia, o “Todo Poderoso” Secretário de Inteligência do Amazonas, Thomaz Correa e Doutor Mauro Antony ainda não emendaram a Constituição Federal, pela dialética jurídica, ainda está vigente em nosso sistema jurídico-constitucional o princípio da “presunção de inocência”.

Voltando, porém, ao fato que motivou o título desse texto, o caso mais polêmico e rumoroso que enfrentei e presenciei foi o do ex-Deputado Donmarques X Arthur Bisneto.

Só para recordar, após ter sido eleito, proclamado eleito e convocado para a sessão solene de Diplomação como Deputado Estadual, na hora em que esta ia acontecer, DONMARQUES foi surpreendido por uma decisão liminar do ex-Juiz “JURISTA” Francisco Maciel, do TRE, aquele mesmo que recentemente Presidiu o Tribunal e sessões de julgamento, com o mandato vencido, quando é sabido que o exercício da Presidência de Tribunal Regional Eleitoral é privativo de desembargador.

Tal liminar foi deferida, como pedido acessório de “embargos de declaração” com efeitos infringentes, opostos pelo Deputado Arthur Bisneto.

Sucede que a decisão suspensiva foi deferida contra uma “decisão negativa” a um pedido de impugnação proposto por determinada Coligação, contra o Registro da Coligação de Donmarques.

Vale relembrar que o relator do caso era o digno e culto advogado Elson Andrade, que, no entanto, devido às pressões e ameaças que recebeu de uma certa autoridade, deu-se por suspeito e, num ato de protesto, no dia da diplomação renunciou ao seu mandato como membro da Corte.

O processo foi redistribuído para o Dr. Elci Simões, que também se averbou suspeito, por “foro íntimo”.

Nova redistribuição, dessa vez para o Francisco Maciel.

Este, após ter cumprido sua missão institucional (despachar com presteza um pedido de efeito suspensivo a uma decisão não modificativa de nenhuma direito), ao que me consta, desentendeu-se com o Donmarques, dando-se também por suspeito, o mesmo acontecendo com o Juiz Thales Silvestre Junior, que houvera sido chamado para compor o TRE, em decorrência do “renunciado”, Dr. Elson Rodrigues.

Foram os autos, então, à relatoria da Dra. Nélia Caminha.

Presidia a Corte o ex-Desembargador Jovaldo dos Santos Aguiar.

Após o início específico do julgamento dos “embargos de declaração” , o Desembargador Jovaldo suspendeu a sessão para atender a uma ligação, chamado que foi pelo seu assessor, retirando-se para a sala da Presidência (? é verdade, é verdade, é verdade…) Quando retornou, veio com a seguinte pérola: “olha, quero dizer que se esse julgamento terminar empatado eu vou me dar por suspeito”. Quem estava assistindo e mesmo os membros da Corte presentes, ou ficaram surpresos ou constrangidos. Em decorrência da interveniência do Ministério Público Eleitoral, ele então se deu por suspeito, “por motivo de uma ligação”, ou melhor, por motivo de “foro íntimo superveniente” que teve ocorrência na sessão de julgamento. Se alguém souber quem estava na outra ponta da ligação que me diga, por favor, pois eu não sei e não consigo imaginar.

Bem, naquele tempo o Regimento Interno do TRE previa que este podia deliberar com a presença de 4 membros, contado o Presidente.

Devido às várias suspeições já mencionadas, o julgamento foi adiado e convocada uma Juíza Substituta da Corte, para completar o quorum de julgamento.

Como só havia 4 membros presentes, incluindo o desembargador(a) que presidia a sessão, não poderia haver empate. O Resultado seria 3 X 0 ou 2 x 1 para qualquer dos lados.

Os “embargos de declaração” eram muito semelhantes aos embargos que modificaram a “decisão” que cassou o Bessa de Manacapuru, que depois foi novamente cassado mediante novos “embargos”: rediscutia o que já fora julgado pela Corte.

No dia do julgamento, momentos antes da sessão, uma Juíza Substituta foi convocada, como eu disse, para dar o quorum mínimo. Após o voto da relatora, dando provimento aos “embargos de declaração” e o do Juiz Federal, negando provimento, coube à novel Juíza da Corte, convocada para a sessão, a responsabilidade pelo desempate. Como a mesma não conhecia nada do processo e para simplesmente não acompanhar a relatora, sem nenhuma discussão, ela fundamentou seu voto com extremo bom gosto, pois nós caboclos e indiozinhos do Solimões, como diz o “Belão”, sabemos do seu sabor: “voto com a relatora, pois o caso para mim está mais claro que água de pote”.

Na decisão que motivou os embargos, o placar foi 4 x 2, a favor de Donmarques. No julgamento dos embargos foi 2 x 1, contra. Ou seja, 2 votos valeram mais que 4. E assim Donmarques perdeu seu mandato de deputado e nós, seus advogados, principalmente eu, considero-me culpado, pois apesar de ter debruçado-me sobre doutrina e jurisprudência do TSE, do STJ e do STF, dias e noites seguidos, argumentado princípios vários de direito, logo eu, que até aos doze anos só tinha visto uma geladeira na vida, a querosene, no Bar do Cileno, na praça de São Paulo de Olivença, fui me esquecer do sabor e da pureza da “água de pote”. Fiquei estatelado, boquiaberto, nocauteado.

Não tive mais argumentos.

4 comments to FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: “Mais claro do que água de pote”

  • Rodrigo Dias

    Ah que bom seria um post desse pelo menos uma vez na semana. Lembrando os causos e fatos curiosos de plenário e dos corredores da justiça, pricipalmente os do TRE´s, haja vista esses serem do conhecimento daqueles que não advogam, pois quando se trata de política, todo mundo sabe alguma coisa.
    Vamos lá Daniel, conte algo de 2002, 2004, 2006 e quem sabe 2008. 2010 não. Deixe pro ano que vem.

  • Raimundo José

    Bom lembrar o caso de Manacapuru, pois esses Embargos, também tiveram a presença do Francisco Maciel, que incrivelmente mudou até seu voto. E vale ressaltar que o caso Manacapuru, só se deu a reviravolta por intervenções do CNJ que andou até destituiundo o Presidente do TRE por acusações no mínimo escandalosas.

  • Wagner Goltara

    Dificil é ver a verdade ser transparecida num tatame onde se debatem as suas liturgias em vez do dito poder do direito. Cansado é olhar para esses infinitos prédios onde cheiram há mal, Direito no Brasil é pensar em algo que foi esterminado e ficou apenas os atores contracenando algo de outros povos.

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