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Onde Estão os Juízes Juristas?

Uma das notícias do dia aqui em Manaus é a falta de candidatos para concorrer à vaga de juíz jurista do Tribunal Regional Eleitoral. Aberto o edital, apenas dois candidatos se inscreveram para uma vaga que se abrirá no TRE/AM. Assim, o procedimento regular de nomeação de juízes eleitorais da classe dos juristas (de primeiro constituir uma lista sêxtupla, depois uma tríplice com, ao final, escolha do Presidente da República) fica ligeiramente prejudicada.

Não vou aqui debater se o Tribunal pode ou não proceder com a escolha se apenas dois candidatos se inscreveram. Ao revés, vou falar do motivo que levou ao desinteresse dos advogados e, por consequência, à quantidade tão mirrada de interessados.

De antemão, posso dizer uma coisa: do jeito que as coisas estão, quem atua diuturnamente na militância eleitoral não tem qualquer incentivo para se candidatar à vaga de jurista. Se aparecem interessados para as vagas de juízes juristas Brasil afora, é quase certo que serão advogados cuja práxis se concentra em ramos do direito que são estranhos ao direito eleitoral.

As razões disso são muito óbvias.

A remuneração de um juiz jurista já não é lá grande coisa, mormente se comparado com as demais carreiras jurídicas. Enquanto um juiz federal recebe em torno de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) líquido por ano, um juiz jurista – cujo grosso da remuneração depende de comparecimento às sessões de julgamento – tem rendimentos líquidos anuais de cerca de R$ 60 mil reais. Até mesmo os advogados que atuam fortemente na justiça eleitoral tendem a conseguir remuneração maior do que a de juiz jurista e com bem menos trabalho.

Nada obstante, o senso de missão de colaborar com a sociedade, a vontade de contribuir para a construção do direito e até mesmo a vaidade pessoal de acrescentar uma linha relevante dessas no currículo são razões que poderiam facilmente levar um advogado eleitoral atuante a aceitar trabalhar mais e ganhar menos durante um breve período.

No entanto, existe um complicador. O Conselho Nacional de Justiça, não tendo o que fazer, decidiu o Pedido de Providências nº 2007.10.00.00.1485-1 estabelecendo uma quarentena para o juiz jurista. Segundo a decisão (de questionável constitucionalidade) do CNJ, ao sair do TRE o ex-magistrado fica proibido de advogar perante a Justiça Eleitoral por três anos.

TRÊS ANOS!!!

Lembre-se: o juiz jurista tem um mandato de dois anos e pode ser reconduzido no máximo uma vez. Agora se ponha nos sapatos de um advogado eleitoralista militante. Se não for reconduzido, passará cinco anos sem advogar no Eleitoral; se for reconduzido, o exílio é de sete anos.

Para melhorar a perspectiva, considere o seguinte: aceitar o cargo de juiz jurista já representa uma diminuição de renda para grande parte dos advogados eleitorais atuantes. Mas se o jurista for reconduzido, a sua renda média líquida advinda do Direito Eleitoral por sete anos (4 remunerados como jurista + 3 sem remuneração nem como jurista, nem como advogado) passa a ser cerca de R$ 35 mil reais por ano (ou seja, uns R$ 2.900,00 por mês). Se o jurista não for reconduzido, piora. Aí, a renda média líquida advinda do Direito Eleitoral por cinco anos (dois remunerados como jurista + 3 sem remuneração nem como jurista, nem como advogado) passa a ser uns 24 mil reais, ou seja, dois mil reais por mês.

Não é à toa que apenas dois profissionais se interessaram pela vaga.

Por conta da restrição do CNJ os advogados militantes, que têm experiência em direito eleitoral, conhecem as normas e entendem como o sistema funciona – que já não são tantos assim – fugirão da “oportunidade” de ocupar a vaga de jurista como o coisa-ruim foge da cruz.

Do jeito que o sistema está organizado, os profissionais sérios que procurarem essa vaga muito raramente serão atuantes perante a Justiça Eleitoral. Mesmo que se abra vaga para novas inscrições, provavelmente se candidatarão apenas advogados com larga experiência em outros ramos do direito (cível, penal, administrativo) ou, em raras hipóteses, eleitoralistas que estão – por um motivo ou por outro – abandonando a advocacia eleitoral (aposentadoria, mudança de planos de carreira, etc.)

O que vai acabar acontecendo Brasil afora é que serão nomeados como juristas advogados que tem pouquíssima experiência ou intimidade com os meandros desse ramo especializado do direito, o que não é algo positivo. Imagine um competentíssimo advogado trabalhista que seja verdinho na seara eleitoral: não é difícil vislumbrar a hipótese de que possa ser facilmente ludibriado por velhas raposas com décadas de política nas costas. Pior ainda é a alternativa: o jurista inexperiente que condena mais do que o respeito ao princípio democrático autoriza. Além disso, quem não lida com essas matérias no cotidiano está bem mais propenso a proferir decisões equivocadas e, pelo menos durante algum tempo, vai acabar dependendo bem mais da assessoria do que de suas próprias opiniões.

É triste ver que um sistema mal desenhado como esse só prejudica a sociedade, pois aqueles que mais têm experiência, melhor conhecem do ramo e que podem dar as contribuições mais positivas são exatamente os que menos têm incentivos para se candidatar.


6 comments to Onde Estão os Juízes Juristas?

  • Wendell Araújo Lima

    Dr. eu acho que o sr. tá errado quanto ao salário. Tem Jurista no TRE que tem várias Mercedes-Bens, lanchas de luxo, Apto na Ponta Negra até onde sei. E que se pudesse ficar por lá Vitaliciamente, näo tenha dúvida de que ficaria. Posso estar enganado, pode ser o tal do espírito público ou tá em final de carreira.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Wendell,
    Não podes acusar alguem de ter posses enquanto jurista se ele já era um homem rico (com mercedes, ap. na ponta negra, etc…) ANTES de assumir a vaga no TRE.

  • Marcos Paulo

    Dr. Fábio… só complementando: esse referido homem é advogado militante e possui um histórico invejado por muitos. Portanto, creio, que seu interesse pelo cargo era por capricho e para alimentar o ego, pois NUNCA precisou daquele mísero salário. Cá entre nós, é puro despeito!

  • Eddington Rocha

    Contribuindo com a bLex, o TJAM reabriu o edital para concorrer à vaga de Juiz Eleitoral, conforme o link abaixo:

    http://www.tjam.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=908&catid=33&Itemid=185

    Eu bem que fiquei curioso do motivo de terem apenas dois candidatos, mas pela sábia explicação dada, não restam dúvidas de que o cargo não é dos mais atrativos.

    Eu até já ouvi da boca de um Juiz Eleitoral da classe dos advogados que ele lucraria muito mais se passasse o tempo que gasta no TRE trabalhando mais em seu escritório de advocacia empresarial.

    É bem “interessante” a lógica do CNJ: Vamos tornar impraticável aos advogados eleitorais se candidatarem à vaga nos TREs para que eles não tenham como corromper o sistema eleitoral.

    Só não vê que, conforme dito pelo autor do texto, muito provavelmente serã as vagas dos jurista ocupadas por quem não atua na advocacia eleitoral…

    E mais uma vez se aplica o ditado de que “Brasileiro mata a vaca para se livrar do carrapato”.

  • Advocacia Master

    Daniel,

    Sei muito pouco de direito eleitoral, quase nada, para dizer a verdade. Mas não entendo a necessidade de haver vaga para advogados nas Cortes Eleitorais.

    O ideal não seria que essas vagas se restringisse aos juízes togados, admitindo-se apenas aqueles que entraram para a magistratura pelo quinto constitucional?

    Caso o profissional desejasse ser juiz eleitoral poderia fazer concurso para a magistratura e então se habilitar a ocupar uma dessas vagas.

  • girlei frança

    Caro colega sempre tive vontade de ser jurista sou bacharel em Direito formado na Puc- sao paulo-SP.
    Moro em Caruaru-PE Tenho estudado muito sobre direito eleitoral e fiz especializaçao em direito Constitucional.

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