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Dano Moral nas Relações de Consumo

Carlos leitores, como é de sabença geral o bLex é um blog jurídico, cujos membros fazem parte da banca do Jacob & Nogueira, escritório jurídico especializado em advocacia empresarial, cuja atuação normalmente é na condição de advogado de pessoas jurídicas.

Tal fato faz com que tenhamos, em regra, uma visão um tanto quanto crítica quanto a indiscutível banalização do dano moral, tema já discutido neste e em vários outros espaços. No meu caso especificamente, consigo fazer razoável contraponto por lecionar a disciplina Direito do Consumidor, conseguindo ter uma visão que reputo balanceada, embora seja tida como xiita por ambos os lados.

De certo, que o movimento pendular do direito explica o verdadeiro boom de condenações em danos morais, o que tende a se agasalhar em parâmetros mais razoáveis, quando o verdadeiro espírito desta espécie de indenização for devidamente compreendido pelos tribunais pátrios.

Contudo, enquanto tal questão não se sedimenta, é indiscutível que se vive período de estrema insegurança jurídica, pois há quem veja danos morais em todo e qualquer aborrecimento – sepultando as regras de descumprimento contratual -, enquanto de outro lado a quem, sob a justificava da coibição de demandas de natureza lotérica (que sem dúvidas se proliferam), indefira a indenização em casos em que a violação moral claramente existe.

Mais uma vez, reforço a eterna necessidade da razoabilidade e ponderação na análise judicial de um caso concreto. A meu ver não há uma fórmula mágica capaz de responder se é caso ou não de indenização por dano moral, sendo curial a verificação no mundo real, no dia-a-dia, se é ponderável que o homem de inteligência mediana sentisse vilipendiada sua honra, nome ou intimidade em dado caso.

Ilustro a insegurança existente a respeito do dano moral com dois julgados provenientes do Rio Grande do Sul, que sem a menor sombra de dúvidas é verdadeiro pólo de disseminação de novas interpretações do direito, o que é muito bom em algumas situações e temerário em outras, pois se trata de justiça que a meu ver é praticamente refém da necessidade de inovar.

O primeiro julgado é proveniente da 1ª Turma Recursal Cível do RS, que indeferiu a indenização requerida pelo consumidor. Entendeu-se, no caso que: “o mero descumprimento contratual não gera o direito à indenização por danos morais, salvo quando verificada alguma situação excepcional“(Proc. nº 71002116184).

A premissa do julgamento, abstratamente considerada está, a meu ver, absolutamente adequada, pois o descumprimento contratual possui regras no direito civil e no próprio CDC capazes de reparar o consumidor, sem que haja, necessariamente, a condenação em danos morais.

Ocorre que quando aplico esse entendimento abstrato ao caso concreto debatido pelo referido órgão judicial, ouso entender que o julgado foi de estrema infelicidade. A ação trata de reparação de danos postulada pelo segurado em face da Golden Cross, que não autorizou a realização de cirurgia indicada por médico que já havia realizado uma primeira intervenção(autorizada pelo plano).

A negativa decorreu do laudo de médico indicado pela operadora, onde foi prescrito ao autor tratamentos não invasivos, tão somente na falha destes a necessidade de cirurgia.

A sentença de primeiro grau e o órgão colegiado não concederam indenização por dano moral, por entenderem que o procedimento exigido pela seguradora, de que o paciente se submeta a exames por outros médicos para atestar a necessidade da cirurgia, é previsto em contrato.

Até aqui, a meu ver há coerência na decisão, ocorre que embora haja sido indeferido o dano moral, determinou-se à seguradora que autorizasse a cirurgia, pois nenhum dos médicos a desaconselhou.

Penso que se houve o reconhecimento de que deveria ser deferida a realização de cirurgia que foi indeferida, não há como se deixar de considerar o abalo emocional que isso causaria em qualquer pessoa de inteligência mediana.

Não importa se há previsão contratual de que o paciente seja submetido a três ou vinte médicos, o que importa é que era indicada a realização de intervenção que foi ilegalmente indeferida. Qualquer cidadão, depois de já haver se submetido a um primeiro procedimento cirúrgico, ficaria abalado com a necessidade de repeti-lo, sendo certo que sua fragilidade seria potencializada pela angústia extra de ter que arcar com os gastos, pelo fato de que o plano de saúde que paga(caro diga-se de passagem) resolveu nega-lo, em contraposição aos diagnósticos médicos.

A segunda decisão é proveniente 5ª Câmara Cível do TJRS, em outra ação ajuizada contra a mesma ré, desta vez em sentido antagônico.

Corroboro o entendimento da 5ª Câmara, para quem em regra o caso de negativa de cobertura(inadimplemento contratual) não gera dano moral, sendo prudente, contudo, as circunstâncias do caso concreto.

O acórdão proferido contra a mesma seguradora concluiu que a negativa de autorização de cirurgia de apendicite à gestante causaria dano moral, mas ou menos nos termos defendidos no presente post..

Neste segundo caso, o acórdão reformou a sentença de primeiro grau, que havia indeferido o pleito da consumidora. O tribunal acabou por decidir de forma diversa, justamente por crer que às circunstâncias do caso concreto não se aplica o entendimento de descumprimento contratual, para justificar danos apenas patrimoniais. Entendeu que houve indiscutível temor pela vida da paciente e de seu feto, raciocínio que creio que também deveria ser aplicado ao primeiro julgado.

A divergência não é apenas entre os julgados, mas entre outros precedentes comuns. Não me parece nem um pouco razoável que alguém que tenha seu nome incluído em instituições de restrição de crédito façam jus a indenização por dano moral(questão indiscutível nos órgão judiciais pátrios) enquanto o cidadão que, no momento de angústia e fragilidade natural, tem negado o acesso a tratamento necessário à sua saúde não mereça este mesmo tratamento.

5 comments to Dano Moral nas Relações de Consumo

  • Mamed

    Caro Colega,

    Embora concorde com as premissas do post, ouso discordar de sua conclusão, ao afirmar que a negativação do nome em cadastros de crédito não possa gerar dano moral.
    É bem verdade que o dano moral tenha verdadeiramente se tornado “demanda de natureza lotérica”. Como também é verdade que as instituições são absolutamente deleixadas para com o consumidor, pois muitas vezes, mesmo apresentando o documento de quitação de algum crédito, a PJ insiste em afirmar que o tal “sistema” não detectou o pagamento, mantendo a negativação, enquanto o bendito “sistema” não faz sua parte!
    Creia-me: não há abalo moral maior ao cidadão de bem do que ter quitado seu débito e ainda assim persistir a negativação, ou pior, cobranças indevidas, mesmo após demonstração inequívoca do pagamento. E convenhamos: em Manaus, bancos, lojas de departamento, financeiras etc, são useiras e vezeiras em tais expedientes.
    Daí, a conclusão pessoal quanto ao post: embora concorde com as premissas, discordo quanto a esta parte da conclusão, pois a depender do caso concreto, como bem explanado pelo colega, há sim dano moral em negativação indevida de nome. Não aquela equivocada e prontamente corrigida. Mas aquela em que a PJ insiste em manter o individuo privado de seu único bem: o nome limpo, quando este não concorreu para tal.

  • Ney Bastos

    Caro Mamed,

    Você não compreendeu minha conclusão, sobretudo, quando esta é analisada em cotejo com o conteúdo do post. Não disse que inscrição indevida não gera dano moral, apenas me parece absurdo que tal fato gere e uma negativa de atendimento médico não receba o mesmo tratamento.

  • Eduardo Bonates

    Caríssimo Rubro-Negro Dr. Ney,

    A questão do dano moral será sempre objeto de grande discussão, justamente por envolver questões altamente subjetivas.

    Nesse sentido, acredito que dificilmente a jurisprudência se torne pacífica sobre o tema, mesmo a despeito do STJ ter exarado recentes julgados extramamente restritivos ao dano moral, limitando-o de modo geral a casos mais característicos.

  • Ney Bastos

    Meu grande amigo membro da imensa Nação Rubro-Negra Eduardo Bonates,

    Estás coberto de razão, a questão é inevitavelmente causuística, daí as dificuldades de pacificação.

    Mesmos fatos, geram sentimentos e conseqüências diversas de pessoas para pessoas.

    Nós por exemplo, somos rubro-negros, estamos acostumados as vitórias, o que faz com que as derrotas e dissabores doam de forma diferente, pois embora não estejamos acostumados a perder, sabemos que as vitórias logo retornarão.

    Já os vascaínos e botafoguenses por exemplos, que são torcedores bipolares(como muito diagnosticou meu grande amigo Ló), pois oscilam pequenas alegrias com grandes tristesas, muitas vezes reagem de forma diferente, com muito choro, por exemplo.

    Aproveito para reforçar que na quarta que vem, a concentração de nossa equipe rubro-negra será novamente em meu humilde lar, com a já tradicional variedade de cervejas nacionais e intercionais.

    Grande Abraço!

  • rookie

    Entendo que estamos no caminho certo tal qual os USA que utilizam tais expedientes para punir os desatentos com valores que podem ser astronômicos. Com a palavra o Dr Daniel que já morou lá.
    Embora alguns possam alegar aquela ópera bufa do“enriquecimento ilícito“`ou até “industria do dano moral“ para aqueles que cobram, a melhor punição, em especial para as grandes empresas, é aquela que dói no bolso deles e aí eles, as empresas, se espertam. Fui vitorioso numa causa contra empresa de energia QUE INCLUIU DANOS MORAIS após 05 anos de litigio, ao qual, após a minha sentença favorável, retirou aqueles carros com os dizeres “CORTE“ dei-me por satisfeito. O valor foi irrisório nos limites dos juizados especiais, mas valeu pela vitória contra o abuso.

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