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A Moderna Democracia Brasileira [Parte II]: …Ao Pleito Policialesco

(continuação do post anterior)

Mesmo ignorando a qualidade dos representantes dos analfabetos políticos, a questão do voto obrigatório tem uma faceta muito mais perigosa e preocupante.

As autoridades constituídas de certo modo reconhecem que a massa de eleitores sem consciência política se deixa influenciar por múltiplos fatores na hora de exercer o sufrágio.

O analfabeto político mais oportunista vende o seu voto. O mais apático ou inocente vota no candidato mais “bem parecido” no número que estava na última placa ou propaganda que viu antes de entrar no local de votação.

As autoridades não querem que esse eleitor sem conteúdo sofra qualquer “influência indevida” na hora em que é forçado a votar em candidatos que absolutamente desconhece.

Portanto, para evitar essa suposta “influência indevida” nesse eleitor tão sugestionável, o Estado se preocupa em tutelar o cidadão. Cria regras das mais diversas com o objetivo de preservar essa livre e tão frágil “vontade do eleitor”.
As regras, tais como existem, até que podem ser descritas são razoáveis. Proibir compra de voto faz sentido, impedir o candidato de dar um calendário contendo propaganda até pode ser justificável, dá até para justificar a proibição de propaganda no dia do pleito como estando no limiar do excesso de cautela.

No entanto o que se vivenciou em Manaus na aplicação concreta dessas normas foi algo bem diferente.
Reconheço que o dia da eleição foi bem tranquilo para o jurídico das campanhas majoritárias. Aliás, não estaria sendo justo se não reconhecesse que dia 03 de outubro de 2010 foi o Dia D mais calmo de todas as seis eleições da minha carreira de advogado eleitoralista.

Apesar disso, os eventos que foram se concretizando ao longo do dia com terceiros – que não são meus clientes – me deixaram profundamente incomodados enquanto cidadão de uma suposta democracia saudável.
O fato é que o dia da eleição deixou de ser uma festa da democracia para se tornar um relance de estado policialesco, comandando pelo denuncismo, tudo no interesse de tutelar a fragilidade da convicção do eleitor.

Não estou falando aqui do estrito cumprimento às normas eleitorais; estou falando do exercício do deturpado do poder de polícia por um ou outro juiz zonal que – no interesse de proteger um hipotético eleitor tão retardado que se deixaria influenciar pelo mais sutil dos estímulos – passou ao mesmo tempo como legislador e executor, e coibiu práticas que a lei não trata como irregular.

Não existe nenhuma proibição de se estacionar um veículo na frente de uma escola para exercer o direito de voto; no entanto, me disseram que alguns juízes determinaram a retirada de tais veículos sob pena de serem guinchados.
Não existe nenhuma obrigação do cidadão proprietário de uma casa próxima a um local de votação retirar placas de propaganda regularmente afixadas antes do dia do pleito. Inobstante, fui informado que alguns juízes estavam obrigando as pessoas a retirar tais placas, utilizando-se do aparato policial para coagir os cidadãos. Não sei se procede, mas chegaram a dizer que em razão das ameaças de um determinado magistrado uma cidadã paraplégica chegou a passar mal e ser mandada para um hospital.

Além disso, a onda de denuncismo e a atuação dos “xerifes” zonais não se limitaram a importunar cidadão por conta de regras de propaganda que a lei não prevê. Cometeram alguns absurdos jurídicos completamente inexplicáveis.
Num caso absolutamente pitoresco, um magistrado procedeu à apreensão de um veículo de um candidato porque encontrou dentro da viatura um bolinho de santinhos eleitorais. Essa apreensão é inexplicável por vários motivos. Primeiro, porque a boca de urna se caracteriza com o fato de distribuir (e não portar) material de propaganda. Segundo, mesmo que estivesse caracterizada a boca de urna, não há justificativa para a apreensão do veículo. Se alguém poderia ser preso era o comitente do ato, e não o coitado do automóvel que não fez nada. A pena de perdimento, se não estou enganado, está ligada à lei de tóxicos e não à norma eleitoral.

Na onda dessa atuação irrefreada de “fiscalização” segue-se uma onda de denuncismo. Autoridades no interior apreenderam documentos de pagamento regular de pessoal de campanha sem motivo algum, a não ser a lógica de apreender primeiro, perguntar depois. Pessoas foram presas retornando do interior simplesmente porque haviam outras pessoas dentro do mesmo avião e isso poderia se caracterizar “transporte de eleitores”.

Candidatos e cidadãos tiveram apreendido o dinheiro que tinham em casa e portavam consigo, sob o argumento de que poderia ser usado para comprar voto. Percebam que comprar voto é ilegal, mas portar dinheiro, não é. Se a presunção de inocência que está na Constituição valesse de algo, a apreensão só ocorreria depois da prática de algum ilícito concreto e não sob o argumento de que o ilícito poderia vir a ser cometido.

É nisso que nos tornamos. Numa sociedade em que o dia das eleições é marcado por prisões, apreensões, ordem de retirada de material regular e, em geral, atuação marcante do “poder de polícia” não me parece compatível com a alegria do direito democrático conquistado a duras penas pelos nossos antecessores.

A democracia é a antítese do estado policialesco.

Meu clamor aos nossos parlamentares: acabem com isso. Facultem o voto que será desnecessário tutelar o eleitores.
Encerro com a triste certeza que minha indignação não terá nenhuma ressonância no Planalto Central.

Afinal, na lógica de um Congresso Nacional de Tiriricas, Danrlei Goleiros, Romários, Stepan Nercessians, Jean Wyllis e afins, o voto obrigatório é um ingrediente indispensável do embate eleitoral.

4 comments to A Moderna Democracia Brasileira [Parte II]: …Ao Pleito Policialesco

  • Jocione Souza Junior

    é de se impressionar que uma Constituição de tantas liberdades, ainda torne obrigatório o exercício do sufrágio, que como bem colocado, está mais frágil a cada pleito.
    seja pela falta de boas opções ou ainda pela falta de consciência política da massa, o que condena o país a um legislativo condescendente e que poderá nos levar a um governo populista com vocação para a ditadura!
    Fica dado o recado!

  • Paulo Victor Vieira

    Impressionante mesmo é a parcialidade desse post. Não dá realmnte para perceber que quem fez foi um advogado eleitoral.
    .
    Sinceramente, o tempo todo nessa sociedade vimos os cidadãos indgnados com o trabalho do Estado: “Mas tá todo mundo vendo que está errado, cadê as autoridades que não vêem isso?” ou então “Não tem polícia mais nesse país”, “terra-sem-lei”, “lei mesmo só no papel”.
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    É claro que esses comentários são muito senso comum, conhecimento de Zé povão. Esquecem que há direitos e garantias fundamentais, e que o Estado muitas vezes vê o que está errado, mas não possui meios legais de impedir (isso quando o Estado tem cidadãos sérios, muito raro).
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    Mas aí quando o Estado resolve enxergar o que todos enxergam, ver o que todos vêem, como um avião transportando eleitores, “documentos de pagamento regular de pessoal de campanha sem motivo algum”, mais popularmente conhecido como BOLSA-FRAUDE, surgem sempre as vozes bradando “É a volta da ditadura?” “Cade os direitos do cidadão?”
    .
    Não é porque o Estado dotou cidadãos de direitos, que precisa ser tapado. A Verdade é só uma. A certeza está na cabeça de quem vê, mas a verdade é só uma.

  • Fabão

    “…haviam outras pessoas dentro do mesmo avião…”. “Haviam” mesmo?

  • Ricardo

    Exército nas ruas, lei seca, propostas esdrúxulas de limitação de saques de dinheiro nos bancos… Só falta o toque de recolher e a decretação de estado de sítio no dia das eleições!

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