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As sentenças nulas da Meta 2

Retorno ao bLex para realizar a triste constatação de tal temor, em face da qualidade(ou melhor, falta dela) dos julgamentos “a rodo” que a Meta 2 está gerando.

Tenho me deparado com algumas decisões absurdas que, ao meu ver, só podem ser causadas pela obrigação desumana(o Daniel tem um post que faz interessante análise estatística da questão) do julgador realizar um sem número de julgamentos em exíguo prazo. Não pode ser desconsiderada a participação do certo desinteresse com que alguns magistrados exercem a função que lhes cabe.

Dentre os julgados que se enquadram nesta triste constatação, o abaixo citado é certamente um dos mais teratológicos, senão vejamos:

“Sentença

Autos n°: xxxxxxxxxxxxx

Ação: Cobrança/Ordinário

Requerente: xxxxxxxxxxxxx

Requerido: xxxxxxxxxxxxx

META 02

Vistos etc.

xxxxxxxxxxxxx., por seu advogado, propôs ação de cobrança em face de xxxxxxxxxxxxx, pelos fatos e fundamentos expostos com a inicial.

Instada a manifestar-se, a parte Requerida deixou transcorrer in albis o prazo da contestação.

É o breve relatório.

Decido.

Possível aferir que o ato omissivo do Requerido é hipótese que se subsume ao previsto no artigo 319 do CPC. Assim, tomo por verdadeiros os fatos afirmados pela parte Requerente.

Por todo o exposto, com fincas do CPC 269 I, julgo totalmente improcedente o pedido formulado na inicial, condenando a parte Requerente ao pagamento de custas e honorários advocatícios no montante de 10% sobre o valor da causa.

Oposto recurso de embargos de declaração, com efeito modificativo, intime-se a parte Embargada para se manifestar no prazo legal.

Oposto recurso de apelação, será recebida no duplo efeito (CPC 520), e determino seja intimado a parte Apelada para responder no prazo de lei. Após, proceda-se a remessa ao E. Tribunal de Justiça do Amazonas.

Transitada em julgado, arquivem-se os presentes autos com as cautelas devidas.

P.R.I.C.

Manaus, 15 de outubro de 2009.”

Ahn? Pois é, também foi essa minha reação e há de ser a de qualquer operador do direito ou mesmo de qualquer estudante que já haja cumprido a disciplina Processo civil I de sua grade acadêmica. Releva ressaltar que ‘isso” é uma sentença de uma ação que tramita na Justiça Comum.

A teratologia da sentença é tamanha que prescindiria maiores digressões, contudo, como um dos objetivos do bLex é a discussão técnica do direito, serão, posteriormente destacados seus vícios mais nítidos.

Já foi discutido, em posts anteriores, o risco de que a busca atabalhoada da celeridade processual negligenciasse outros caros objetivos da prestação jurisdicional. É certo que se a tutela jurisdicional tardia não é justiça, mas injustiça, outra adjetivação não merece aquela que embora rápida é prestada de maneira míope.

Quando o jurisdicionado provoca o judiciário, buscando a resolução de seu litígio, almeja, e tem o direito de cobrar, que tal resolução se efetive, não apenas de forma célere, mas também de forma adequada. Buscando: um processo legal devido; o reconhecimento do direito material a quem realmente lhe faça jus; verdade real etc.

Trata-se de verdadeira obrigação estatal, até como contraprestação ao monopólio da jurisdição. Ao impedir que o cidadão resolva seus litígios através da própria força, submetendo-se ao que o estado entende adequado, há de se ofertar aos litigantes uma resolução que efetivamente seja capaz de pacificá-los.

O mínimo que os cidadãos têm o direito de exigir é que seus litígios verdadeiramente sejam analisados pelos julgadores, através do confronto de fatos e de argumentos jurídicos. Não se olvidando que é importante que esta tarefa seja cumprida da maneira mais rápida possível.

Não é nenhuma novidade que o judiciário não tem conseguido equacionar estes dois objetivos de maneira satisfatória, sendo em tese esta a justificativa para a Meta 2, criada pelo CNJ.

A referida Meta, em que pese a grandeza de seu objetivos, sempre gerou preocupações nos membros deste blog (conforme já externado em posts anteriores), no sentido de que na maneira em que foi concebida poderia até mitigar um dos fatores da equação, mas dificilmente os dois.

Pois bem, direciono-me agora a sentença citada.

Inicialmente, de se atestar que a sentença é absolutamente nula, pela mais pura e total falta de fundamentação, afrontando diretamente os artigos 458, II do CPC e, sobretudo, o artigo 93, IX da CF/88. O conteúdo da sentença é quão simplório que nem mesmo o exercício do direito recursal é possível (com exceção aos embargos declaratórios que teriam justamente o objetivo integra a decisão a parte essencial que lhe falta).

Impossível a interposição de um recurso de apelação, visto que não se sabe quais as razões que levaram o julgador a proferir tal sentença. O julgamento foi de improcedência total, mas sabe-se lá por que.

Não há ainda como se olvidar a cabal contradição interna do decisório, ao aplicar a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo requerente, em face da aplicação da revelia e, sem qualquer razão lógica, julgar o feito totalmente improcedente.

De certo, que não há(embora alguns juízes ignorem tal fato) a costumeira relação entre revelia e procedência total da demanda. a presunção de veracidade se aplica tão somente quanto aos fatos, sendo certo que isso não significa que a pretensão o se transforma automaticamente em totalmente procedente. A conseqüência jurídica indicada pelo autor aos fatos tidos como verdadeiros pode ser descabida.

Mesmo em casos de revelia, continua o magistrado obrigado: a analisar o preenchimento por parte do autor, das condições da ação e dos pressupostos processuais; a aplicar direito da maneira adequada aos fatos articulados; bem como averiguar a veracidade das alegações(não se pode desconsiderar a possibilidade de que um documento juntado pelo próprio autor faça prova contrária ao que alega).

Conforme entendimento jurisprudencial majoritário, a presunção contida na norma do artigo 319 advinda da decretação da revelia não é absoluta.

Ocorre que no caso citado, como a sentença não indica sequer sugestivamente o que poderia ter causado a improcedência, em que pese a revelia do requerido, a contradição é patente. O ordinário na hipótese de se considere verdadeiro o que o autor alega é que o julgado seja ao menos parcialmente procedente, sendo certo que o extraordinário exigiria alguma justificativa.

O fato é que a justificava não veio, mesmo porque não há no julgado justificativa quanto a nada.

Pois bem, garanto-lhes que meu cliente preferia esperar mais um pouco pela sentença, mas ver verdadeiramente prolatada uma em seu processo.

Obs.: Na semana que vem, retorno a análise da proposta de Anteprojeto do CPC.

8 comments to As sentenças nulas da Meta 2

  • jj

    Lembro-me de uma aula de TGP onde o nobre teacher disse alto e em bom tom que 95% das causas que adentram ao judiciário, os autores “tinham razao“. Os outros 05% seriam aqueles que, “ de ressaca“ acordavam e simplesmente “resolviam tomar o terreno do vizinho“ sem fundamento algum. Talvez, nesse caso relatado pelo Dr Ney, o magistrado tenha percebido algum absurdo na cobranca, só que, nao demonstrou na sentenca e, ao seu sentir, julgou dessa forma. Por este prisma, nem todas cobrancas sao legais. Talvez existam mais detalhes sobre a“Revelia“. Sem ter acesso a inicial acredito que o julgador tenha considerado esta, uma das absurdas investidas de malucos contra devedores contidas nos 05% espostos na aula que presenciei. É apenas uma tese. Ainda mais se tratando de acompanhamento pelo CNJ. Com o CNJ por perto, “chutar cachorro morto“ voltou a ser crime. Abraco

  • Eduardo Bonates

    Nobre companheiro da Carava da Coragem!

    Eu já vi uma sentença pior do que essa (só tinha inacreditáveis 2 parágrafos) e na época não tinha Meta 2!

    O problema não é a meta: São os magistrados! Desinteressados, despreperados, tendenciosos, dentre outros “atributos” que nós somos obrigados a vivenciar no dia a dia.

    A pergunta que fica é: Qual a penalidade a ser aplicada a um magistrado que profere decisão em total afronta aos princípios mais basilares do direito?

    Infelizmente esta é uma pergunta retórica, pois sabemos que contra os “deuses” nada podemos, vide a Lei Orgânica da Magistratura, que tem como maior “penalidade” a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais!

  • [...] This post was mentioned on Twitter by Eduardo G. Martins and Amílcar, bLex Blog Jurídico. bLex Blog Jurídico said: Resultados da tal Meta 2? Sentenças desse naipe: http://bit.ly/5wRndn [...]

  • Ney Bastos

    JJ,

    Com o devido respeito a vossa opinião e a de seu professor, não sei de onde ele tirou tal raciocínio, não há de ter sido da prática forense, pois em nada reflete a realidade dos processos judiciais. Digo isso por dois motivos, primeiro porque as aventuras jurídicas são maiores que 5% das demandas e segundo, há número bastante razoável de processos em que a parte acredita ter direitos que não possui de fato(não esqueça que o direito não é uma ciência exata).

    Quanto a possibilidade levantada da sentença foi proferida, parece-me que vc não captou verdadeiramente o conteúdo do post, pois isso é irrelevante ao caso. Se o magistrado pensou como vc sugestionou, a sentença é quão absurda e nula, pois às partes não cabe o exercício de advinhação a respeito do que o julgador achou ou deixou de achar, a obrigação dele é estampar isso de maneira clara e inconteste na sentença, primeiro para viabilizar o recurso das partes e segundo para demontrar sua imparcialidade quanto a litígio.

  • Ney Bastos

    Meu Caro Amigo Eduardo,

    Esses julgadores certamente não são rubro-negros, tampouco fizeram parte da história como nós que assistimos ao hexa ao vivo.

    No mais, no próprio post e nos anteriores que foram mencionados me manifestei no sentido de que a Meta 2 não é a única culpada, mas é um fato que dá a desculpa necessária aos julgadores desidíosos(que infelizmente não são poucos).

    As sentenças desse quilate não são exclusividades do Meta 2, justamente por isso eu temia sua proliferação a partir do momento que lhes fossem dada a desculpa perfeita.

    Quanto a punição, mais uma vez vc, como rubro-ngro que é, está certíssimo, por isso sou partidário da opinião do professor Alexandre Freitas que citando Calmom de Passos afirma:”O juiz que se limita a repetir fómulas e textos legais, achando assim que fundamenta suas decisões, é um mal juiz, que com toda certeza proferiu uma decisão com parcialidade, sendo tal decisão tão flagrantemente inconstitucional que s etorna adequado repetir aque a frase dita por Calmom de Passos: Há certas decisões tão manifestadamente prevaricadoras que autorizam a prisão em flagrante.”

    Já pensou se isso funcionasse?

  • estudante

    Situação semelhante aconteceu com um conhecido, porém tal decisão contava com “fundamentação” – de dois parágrafos – que, ao menos, condizia com a parte dispositiva da sentença, já com ordem de expedição de mandado de desocupação compulsória de imóvel e tudo.
    O diferencial é que o advogado que lhe assitia perdeu o prazo para interposição de apelação, deixando a dita sentença transitar em julgado. Aí me pergunto, qual o remédio hábil para reverter a sentença nula da meta 2 que transitou em julgado?
    Seria necessário manejar uma Ação rescisória? mas e a causa de pedir de tal ação? poderia postular pela rescisão da sentença por inobservância de norma legal, por conta da fundamentação (ou da ausência dela). Agora o grande problema é o tempo gasto com isso tudo que acaba por acabar com o sentido da Meta n. 2.

  • estagiária

    Considerando que direito é ciencia inexata. É uma “loteria”, isso sim. Basta observar a quantidade de questionamentos com o seguinte teor: “COM QUEM CAIU?”. Ou seja, com o juiz tal, concede, com o juiz y “é venal”, com o Juiz x, ah, aí é parada dura. E assim vai.

  • [...] e Efetividade! Por Ney Bastos No post intitulado “As sentenças Nulas da Meta 2” critiquei a maneira atabalhoada que muitos processos estavam sendo julgados, para que os [...]

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