Na noite da última quarta-feira, 05/05/2010 (pouco antes da epopéia rubro-negra, tema para outro post), no auditório da Faculdade Martha Falcão, aconteceu importante debate jurídico, como um dos eventos que integram a Semana Jurídica da Instituição, onde o tema central foi o “Contrato Eletrônico”.
A mesa de debate era composta por três dos maiores conhecedores do tema na capital amazonense, os mestres André Cheik Bessa, que dispensa qualquer comentário, Marco Evangelista, autor de livros e docente de grande respeito na área e Bruno Cavalcante, também mestre e professor da matéria.
Fiz-me presente tão somente para, na condição de aluno, engrandecer meus conhecimentos a respeito do tema, quando de maneira inesperada fui convido pela Coordenadora de Direito da Instituição, professora Ezelaide Viegas, para compor esta mesa de notáveis.
Aceitei de pronto o convite e tenho certeza que abrilhantei a composição da mesa, calma senhores, não do ponto vista jurídico, mas de estilo, pois eu era único que estava realmente vestido a caráter, enquanto os demais membros vestiam os convencionais ternos, eu tinha sobre mim o manto rubro-negro.
Como já era de se esperar, eu e os presentes recebemos uma verdadeira aula de teoria geral de contratos e de Contrato eletrônico.
Sem qualquer obrigação de guardar total fidelidade com as explanações dos professores Bruno Cavalcante e André Bessa (quem lá não estava perdeu verdadeiramente uma lição a respeito de quão interessante tema), destaco que o professor Bruno fez uma esboço histórico do contrato, traçando interessantíssimo paralelismo entre este instrumento jurídico de troca de riquezas com várias etapas do desenvolvimento social humano, com indicação de intrincadas relações de causa e efeito do contrato com o surgimento de vários outros institutos, não só de direito, mas também de economia que vivenciamos em nosso dia-a-dia.
O professor André Bessa, por sua vez, focou no tema específico do debate que era o “Contrato Eletrônico” deixando claro duas conclusões primordiais, com as quais concordo plenamente, a primeira no sentido de que o Contrato Eletrônico não traz a necessidade de uma nova classificação dos contratos, pois não é uma nova espécie, tão pouco traz efeitos ou possui natureza diversa das classificações tradicionais, sendo tão somente uma nova forma de manifestação do elemento volitivo, que cria o liame de encontro vinculante de vontades.
A segunda conclusão do ilustre mestre é a de que o Contrato Eletrônico, justamente por não ser nova espécie contratual, prescinde de uma legislação específica, servindo-lhe como tratamento legislativo o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.
Depois de breve explanação minha, o professor Marco Evangelista, que presidiu a mesa, apresentou um questionamento interessantíssimo. Qual a solução a ser dada a um consumidor brasileiro que adquiri um produto, via internet, de um site com sede em outro país, na hipótese desse produto não ser entregue, apresentar vício, defeito etc.
O objetivo deste post é não só externar minha alegria em haver tido uma verdadeira aula a respeito do tema, mas também enfrentar duas das questões debatidas. A primeira, para anuir integralmente com o professor André Bessa, quanto à desnecessidade de uma legislação específica, clamor de parte dos juristas da área.
Creio que nosso direito caminha cada vez mais para o distanciamento de normas causuísticas, que são verdadeiras novas normas velhas, por serem cronologicamente atuais, mas por jamais conseguir alcançar a velocidade com que as relações humanas se desenvolvem e se modificam.
Decerto que os paradigmas legais têm mudado, as normas principiológicas, de cunho genérico, amoldam-se mais adequadamente a velocidade das alterações da realidade das relações pois, ao transmitir a essência lógico-jurídica que a sustentam, delegam ao jurista tão somente o papel hermenêutico de seu rejuvenescimento.
Exemplos claros desta nova espécie normativa são justamente os dois diplomas legais capazes de tutelar o Contrato Eletrônico, a saber, o Código Civil e o CDC.
Creio que o clamor de norma específica é traço de nossa cultura jurídica, que sempre pediu uma norma pra regular textualmente e especificamente aquela dada relação. Tal traço em verdade é fruto histórico de nosso país, pois assim exigia a segurança jurídica dos cidadãos em tempos em que democracia era verdadeira utopia. A instabilidade política e das instituições pátrias fazia com que o cidadão apenas se sentisse minimamente tranqüilo quando conseguia enquadramento esmiuçado na norma de sua situação.
Os tempos são outros, os ares democráticos são respirados há certo tempo e há segurança na nação, sendo mais que oportuno que os passos sejam dados de maneira progressiva.
O segundo ponto a respeito do qual ouso me manifestar é a respeito do questionamento do Professor Marco Evangelista. A resposta inicial ofertada pela mesa foi fundada no que preceitua o art. 9º, parágrafo segundo da LICC, nos seguintes termos: “Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem. (…) § 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.”
Tal dispositivo indica a aplicação da norma alienígena em detrimento da nacional e no caso peculiar da pergunta, a do Código de Defesa do Consumidor. Como a questão passou a afetar duas áreas do direito que tenho especial afinidade, relações de consumo e processo civil, sinto-me confortável para apresentar a debate um viés um pouco diverso daquele ofertado pela LICC.
Inicialmente, não me parece haver maiores discussões quanto à competência interna da justiça brasileira, nos termos esculpidos no artigo 88 do Código de Processo Civil, pois os percalços surgidos a partir desta espécie de negociação dificilmente escapariam da incidência de seus incisos I e II: “Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando (…) II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III – a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.”
Outra questão se refere à aplicação da norma material para resolução, que uma primeira análise da LICC poderia indicar que seria a estrangeira. Apresento, contudo, outra visão, baseado inclusive em raciocínio já esposado pelo STJ, em julgado que comentei em post anterior no bLex, no sentido de que o uso da rede mundial de computadores tem no alcance global da informação seu maior bônus, ao mesmo passo que configura verdadeiro ônus assumido por quem faz isso de tal ferramenta.
Trazendo este raciocínio para o questionamento apresentado, a mim parece que é perfeitamente aplicável o entendimento do citado precedente, no sentido de se afirmar que ao viabilizar a apresentação de ofertas na rede mundial, esta não se faz na sede do proponente, mas em cada lugar onde a informação é acessada pelo oblato.
Torna-se irrelevante o local em que o site está instalado ou onde nele são incluídas informações, mas sim os locais em que ele pode ser acessado, sendo certo em que cada um destes locais há a materialização da oferta.
Então, seguindo esta linha, quando acesso um site desta natureza no conforto do meu lar, recebo neste local uma oferta e nesta condição não há como se negar a competência da justiça brasileira para resolver o litígio e através da aplicação da norma nacional.
Relembro a manifestação do ministro Luis Felipe Salomão, que ressaltou que ainda não existe “uma legislação internacional que regulamente a atuação no cyberespaço”. Por essa razão, segundo ele, os cidadãos prejudicados por informações contidas em sítios eletrônicos ou por relações mantidas em ambientes virtuais não podem ser tolhidos do direito de acesso à Justiça.
Resta ainda, como bem ponderou no encontro o professor Marco, a resolução de outro problema que surge que é a efetivação da decisão, ou seja, sua execução, que inevitavelmente precisaria se materializar via carta rogatória.
[...] This post was mentioned on Twitter by bLex Blog Jurídico, bLex Blog Jurídico. bLex Blog Jurídico said: Contrato Eletrônico – Aquisição de Produtos em Sites Estrangeiros http://bit.ly/8YtyeL [...]
Parece que o Novo Código de Processo Civil (ainda no anteprojeto), nos trouxe um embasamento ainda maior para a elucidação da matéria. O projeto de novo sistema processual civil esbarra na matéria aqui tratada ao falar dos limites da jurisdição nacional, como descrito:
“Art. 21. Também caberá à autoridade judiciária brasileira processar
e julgar as ações:
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver
domicílio ou residência no Brasil;”
Caso a situação fática aventada no post seja considerada relação de consumo pelas disposições do CDC, então há (ou melhor, haverá)de se entender pela competência brasileira para processar e julgar tal ação.