Nota: Este post foi feito como resposta ao artigo Vai Começar o Sonegation de Fábio Lindoso.
Meu Jovem Lindoso,
Concordo contigo que a carga tributária deste país beira a imoralidade, mas, conquanto respeite a tua opinião, tenho um ponto importante de diametral discordância com o argumento do teu artigo. A sonegação é sim, sem qualquer sombra de dúvida, uma conduta moralmente e socialmente reprovável.
Na verdade, tu partes de uma premissa correta (os tributos no Brasil são desproporcionalmente altos) para chegar a uma conclusão equivocada (sonegar impostos não tem reprobabilidade social). A conclusão não flui logicamente da premissa. [Aliás, para quem estuda lógica da argumentação, trata-se de um autêntico argumento non sequitur.]
Ao contrário, o que não pareces perceber é que os impostos no Brasil são tão altos pois (i) os sistemas de arrecadação são ineficientes e (ii) o Fisco contabiliza a perda de receita gerada por essa ineficiência majorando o imposto que deve ser pago por quem não está na clandestinidade.
Acompanhe, meu jovem padawan, o seguinte raciocínio lógico.
Vamos chamar de “custo total” a variável que representa o valor necessário de operação da maquina administrativa. Vamos chamar de “potenciais contribuintes” o número de pessoas que, de acordo com a letra da lei, seriam obrigadas a pagar seus tributos. Assim, a contribuição média teórica de cada contribuinte poderia assim ser calculada:
No entanto a variável “potenciais contribuintes” é composta pela soma de duas variáveis distintas: “contribuintes efetivos” (que são os que declaram e pagam seus tributos) e “sonegadores” (que são aqueles que não pagam).
Portanto, se
potenciais contribuintes = contribuintes efetivos + sonegadores
logo
contribuintes efetivos = potenciais contribuintes – sonegadores
A carga tributária, por definição, é carregada, na sua inteireza, pelos contribuintes efetivos:
Pelo teu raciocínio, já que a carga tributária é alta, as pessoas tem uma justificativa moral de não pagar seus impostos. Será que isso é verdade? Vamos estudar essa propositura a partir do prisma lógico.
Vamos chamar de “fator sonegation” a quantidade de pessoas de segue o teu raciocínio. Já que os impostos são altos e os serviços públicos não prestam, justifica-se não pagar os tributos devidos.
Veja bem os impactos da tua proposta. O Custo Total permanece inalterado. Nada obstante, graças ao Fator Sonegation, existem menos pessoas oneradas com a sustentação de uma carga que se mantêm inalterada. Assim, as Contribuição Média Real com “Sonegation” é maior do que a alternativa. Qual, portanto, a reprobabilidade moral ou social de sonegar impostos? É aquela que larga o ônus abandonado nas costas do vizinho que, sendo mais ético e mais correto, cumpre com suas obrigações para com a sociedade.
No último post que escrevi, elogiei a prática de magistrados que buscam “entender – com prévia neutralidade – todos os aspectos lide e todas as potenciais consequências de suas possíveis decisões antes de firmar um entendimento sobre o caso“. Temo que não pausastes para realizar esse exercício mental antes de publicar a tua opinião.
É um fato da vida: there is no free lunch. Se você não paga por algo que usufrui, tenha certeza que alguém está pagando por isso. Se ninguém paga pelo benefício, ele deixa de existir.
Que fique clara minha posição: Temos, sim, que combater a carga tributária. Temos, sim, que repelir a nociva sanha fiscal do Estado Brasileiro. Mas isso não ocorre de modo efetivo pela via da sonegação.
Sob o prisma da teoria econômica, a sonegação é um típico caso de Dilema dos Prisioneiros. Para quem não sabe, o Dilema é uma clássica exemplificação de um situação em que todos ganham se cooperaram, mas os indivíduos podem ganhar mais – às custas dos demais – se deixarem de cooperar ao mesmo tempo em que os demais jogadores cooperam.
Para explicar melhor, veja o enunciado clássico do dilema:
Dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para os condenar, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro.
As soluções possíveis desse dilema são as seguintes:
Prisioneiro “B” nega |
Prisioneiro “B” delata |
|
Prisioneiro “A” nega |
Ambos são condenados a 6 meses |
“A” é condenado a 10 anos; “B” sai livre |
Prisioneiro “A” delata |
“A” sai livre; “B” é condenado a 10 anos |
Ambos são condenados a 5 anos |
Nesse cenário, considerada a coletividade dos prisioneiros, o ideal é que ambos neguem, pois assim ambos recebem uma pena pequena. Nada obstante, para o prisioneiro individual, o ideal é que o colega negue, ao passo em que ele delate. Por fim, considerada a coletividade dos prisioneiros, o pior cenário é se ambos delatarem.
A exata mesma coisa acontece com tributos. Para a sociedade, o ideal é que cada um dos cidadãos pague a sua parcela justa, pois assim todos pagarão um valor razoável. Em contrasenso, para o cidadão individual, o melhor dos mundos acontece quando os outros pagam mas ele não. No entanto, se todos adotarem a postura desse cidadão, e ninguém pagar seus impostos, estaremos diante da bancarrota estatal, que é prejudicial a todos.
A tua proposta de “sonegation” só funciona se existirem outras pessoas para assumirem o fardo que o neo-sonegador deixou de carregar.
Na minha humilde opinião o caminho não é sonegação, mas exatamente o inverso.
O problema tributário brasileiro só será resolvido se duas frentes forem enfrentadas ao mesmo tempo. A solução, enquanto simples em tese, é de implementação espinhosa. Pergunte a qualquer aluno de quinta série do Colégio Militar de Manaus como diminuir a Contribuição Média Real, considerando a fórmula abaixo:
Até mais ignóbil dos ralés (que era a designação oficial dos alunos que ingressavam na 5ª série do CMM quando lá estudei há quase duas décadas) sabe a resposta. Diminua o Custo Total e aumente os Contribuintes Efetivos.
A diminuição de Custo Total de manutenção da máquina estatal tem várias vertentes: combate à corrupção, combate à ineficiência administrativa, profissionalização da administração pública, enxugamento de gastos desnecessários, diminuição de entraves causados por excessiva autofiscalização, etc…
Já o aumento da base de Contribuintes Efetivos depende de fortes políticas públicas no sentido de se promover exatamente a inclusão fiscal e o fim da clandestinidade e informalidade.
Noutras palavras: Se queres tributos mais leves, tens que lutar exatamente no sentido contrário ao que propões. É o combate ao “sonegation” que vai ajudar a nos trazer uma carga fiscal mais justa e democrática.
Termino, caro Lindoso, citando uma frase que acho ser excepcional: “Boas decisões são fruto da experiência; já experiência é fruto de más decisões” (Bary LePatner)
Um fraternal abraço do seu colega,
Daniel Nogueira.
Mestre!
Mestre? Fosse só mestre tava bem.
Ippon! Pwned! Massacration no Sonegation!
Gostei. Devia ter mais fight assim por aqui. UFC intelectual é bom demais!
A tua resposta dá a impressão de que o colega Fabio Lindoso fez apologia ao “sonegation”. Entretanto, sinceramente, não me parece que essa tenha sido a intenção do colega.
Engraçado…
Critica-se uma interpretação equivocada do texto para, ao final, chegar-se à mesma conclusão.
Não fosse o “fraternal abraço”, imaginaria estar lendo uma indelicadeza desnecessária.
O texto do Fábio, ao meu sentir, foi uma sátira à alta carga tributária, e não uma ode à sonegação. Tem gente levando as coisas muito a sério aqui no bLex. Fábio, escreva mais, meu jovem.
Achei meio exibicionista. Uma ferrari against um hondinha amaciando. De qualquer forma acho que o Brasil deveria seguir as taxas americanas…50% de taxes.
Meio exibicionista?? Imagiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiina!
Uma forma bem racional de explicar um dilema brasileiro.
Muito bom.
Daniel,
Acho que os comentários que devo fazer ensejam um novo texto. Te envio até o final da semana.
Forte abraço!
…partindo do pressuposto que, se todos pagarem seus impostos, os índices irão cair. Mas essa é uma lei da economia, e não da política brasileira. Aqui o buraco é mais embaixo.
Marcelo, Arlindo, Leal e demais colegas
O texto do Fábio encerra o seguinte questionamento “o quão socialmente reprovável é a sonegação fiscal?”
Tentei apenas responder à pergunta formulada. Não respondi com ânimo de confronto, indelicadeza ou exibicionismo. Apenas deixei claro que acho que a sonegação é sim – por razões objetivas – moral e socialmente reprovável.
No demais, o Fábio Lindoso é um jovem brilhante cujas participações no bLex são sempre bemvindas. Aliás, sempre cobro dele que escreve mais, nunca menos.
Este fórum é desenhado para a discussão e debate de questões jurídicas. Pessoas inteligentes, cultas e de boa-fé podem perfeitamente ter opiniões divergentes sem que isso signifique absolutamente nada no plano pessoal. Afinal, é da dialética provocada pela discordância que se constroem soluções justas. Não é essa a lógica do nosso sistema adversarial de solução de conflitos?
Em questões jurídicas de relevo é importante que haja divergência e debate. Um desafio direto a uma opinião é muito melhor para te provocar a robustecer teu argumento do que tapinhas nas costas.
Aguardo ansioso a réplica prometida do fábio.
um abraço a todos.
michel,
Os impostos norte americanos são progressivos. Quem ganha até 8mil dolares por ano paga 10% de imposto de renda federal; quem ganha mais do que 350 mil dolares ano paga 35%. Quem ganha mais de 1 milhão de dolares por ano muito teoricamente paga 49% por ano de imposto de renda federal e estadual (digo teoricamente pq existem mecanismos chamados trust funds que os ricos usam para pagar impostos menores).
Além dessa progressividade, lá os serviços públicos funcionam. As escolas públicas são de excelente qualidade. Ligue para a polícia e em menos de 5 minutos tem uma viatura no local da ocorrência.
Aqui, é aquela velha história: Impostos suíços, serviços públicos africanos.
Exatamente isso meu caro “Ferrari“, apenas a minha notada preguiça em traçar as devidas proporcionalidades entre os US profits.Abraços.
[...] Este post é uma réplica ao texto de Daniel Nogueira denominado Resposta ao Post do “Sonegation”: Dilema dos Prisioneiros que, por sua vez, era uma resposta ao post Vai Começar o Sonegation, escrito pelo autor do [...]