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Desistência do Consumidor no Contrato de Prestações Sucessivas

Retornando ao bLex trago à discussão mais uma vez questão atinente às relações de consumo. A repetição da matéria, embora com tema diferente, deve-se a sem número de vezes que sou interpelado sobre este assunto tanto nas salas de aula quanto na reiteração de tal discussão no âmbito judicial.

Trata-se do distrato, em contratos com pagamento em prestações sucessivas, em especial para aquisição de bens imóveis, onde o consumidor já haja realizado o pagamento de algumas parcelas. Destaca-se que a discussão redunda a hipótese do distrato causado pelo consumidor, que desmotivamente desiste do negócio jurídico, pois as hipóteses de culpa do fornecedor são resolvidas através da devolução integral das parcelas pagas, de uma só vez, devidamente atualizadas.

Contudo, quando a desistência parte do consumidor, por não mais conseguir adimplir as prestações (por exemplo) surgem interessantes questões jurídicas a serem resolvidas.

Antigamente, a maioria dos contratos de Promessa de Compra e Venda de bem imóvel indicavam a perda integral das prestações pagas, por parte do consumidor, quando este desistisse do negócio, sendo certo que a partir do CDC, reforçado pelo CC/02, tal medida passou a ser indiscutivelmente ilegal e praticamente sumiu dos contratos.

O que se passou a vislumbrar, a partir daí, foi a inclusão de cláusulas de Rescisão que determinavam a devolução de apenas parte dos valores pagos, com a previsão de algumas retenções por parte do fornecedor.

Importante destacar, que não há no CDC uma determinação expressa a respeito dos termos que deve se operar a restituição de quantias já pagas, quando a desistência partir do consumidor, sendo certo, contudo, que doutrina e jurisprudência pátria são uníssonas no sentido de que deve se aplicar ao caso concreto o princípio da razoabilidade.

A rescisão contratual não pode configurar hipótese de lucro para o fornecedor, da mesma forma que não pode gerar vantagem ao consumidor. Há de se considerar a análise do caso concreto sopesando a medida do que seria mais justa.

Seguindo tal linha de entendimento, atesta-se que se mostra razoável que a devolução não seja integral, pois tal hipótese seria tão injusta quanto a perda de todo o valor pago, reconhecendo-se a legalidade de desconto, de certo percentual, a título de reembolso ao fornecedor dos valores administrativos gastos. Percebe-se, portanto, que a medida de tal desconto é apenas e tão somente para os gastos efetivamente realizados, não podendo em hipótese alguma haver lucro por parte do fornecedor.

Essa análise há de ser com base no caso concreto, donde é possível estipular os prejuízos sofridos. À guisa de exemplos destaca-se que a jurisprudência majoritária entende ser justa a retenção de 10%, quando o consumidor não chegou a ter posse do bem e de 25% quando o bem foi depreciado pelo gozo da posse por parte do consumidor.

Nesse sentido citam-se os seguintes julgados: REsp 41493/RS; Recurso Cível Nº 71002066462; RS 19/11/2009; DF 18/06/2008;
2006 07 1 002315-4 DF; 71001604180 – TJ/RS; 2006 01 1 031784-0 DF; 2001 01 1 039999-2 DF; Recurso Cível Nº 71000744300 – TJ/RS; Recurso Cível Nº 71000742858 – TJ/RS; Recurso Cível Nº 71000635425 – TJ/RS, REsp n. 218.032/MG, N° 196.311 – MG (1998/0087593-0) RESP 196311-MG, RESP 59626-SP (RNDJ 38/118), RESP 218032-MG, RESP 723034-MG.

O que se vê na prática, contudo, é que os fornecedores costumam fazer incluir no contrato celebrado, que é bom que se diga é de adesão e normalmente é assinado apenas depois do pagamento do sinal, cláusula que estipula perda de percentual maior que estes citados.

Para ilustrar a questão, cito um exemplo concreto relativo a um contrato de empreendimento imobiliário em Manaus. O contrato previa retenção da seguinte forma: a)10% a título de taxa de administração; b) tributos; c) taxa de corretagem; d) 30% do valor aferido depois das demais retenções. Detalhe, essas retenções eram sobre o valor do imóvel e não do valor pago, ou seja, no caso concreto, devolveram à consumidora 5% do valor que ela pagou.

As referidas estipulações são sem a menor sombra de dúvidas ilegais, por configurarem cláusulas abusivas, nos termos do art. 51, IV, XV, §1º, I, II e III todos do CDC.

Em verdade, o citado contrato é exemplo de uma série de violações ao CDC, pois não esclarece o consumidor a respeito de qual seria a taxa de corretagem (que no entendimento de alguns não pode ser retida), o que permitiria ao fornecedor estipular unilateralmente a taxa que melhor lhe aprouvesse, no momento da rescisão.

Trata-se de vilipendio aos princípios da informação e da transparência, como corolários da boa-fé objetiva, pois na presente avença, o consumidor é o único que não sabia exatamente o que estava pactuando.Os dispositivos do CDC que regulam a obrigação de transparência são vários, destacando-se os arts. 4º, caput e inciso III, 6°,III, 31,37, § 3°, 46, 47 e 54, § 4°, todos voltados a assegurar ao consumidor a plena ciência da exata extensão das obrigações assumidas perante o fornecedor.

O escopo locupletativo fica claro quando o fornecedor não só baseia seus gastos administrativos com base no valor total do imóvel, como depois de abatidos todos os gastos havidos pelo fornecedor, estipula que será devolvido apenas 70%, sem qualquer justificativa razoável, sendo verdadeira busca de obtenção de lucro.

Outra discussão jurídica interessante é quanto a possibilidade de retenção da taxa de corretagem, quando esta consta estipulada no contrato, pois há certa divergência a esse respeito(não quando a mesma é inclusa sem qualquer especificação como no exemplo citado, mas quando é explícita).

No entendimento de alguns estudiosos a inclusão da taxa de corretagem, dentre os valores a serem retidos, seria ilegal, por constituir ônus do fornecedor que é quem tem o interesse de que seu produto ou serviço seja apresentado e aproximado do consumidor. Tal gasto estaria, portanto, dentro da tabela de gastos que compõe o preço do produto ou serviço não cabendo seu pagamento pelo consumidor.

Neste ponto, sigo a corrente majoritária no âmbito do STJ de que tal retenção é lícita, com o fito de evitar prejuízos ao fornecedor.

Explico meu posicionamento: de fato, a corretagem há de ser inicialmente paga pelo fornecedor, pois está inserida dentro da cadeia de distribuição de seu produto ou serviço. Assim sendo, se o produto ou serviço custa R$ 100,00, o fornecedor deve retirar deste valor a taxa da corretagem, gasto que será absorvido por seu lucro na operação.

Ocorre que a questão aqui discutida é diferente, pois ao haver a rescisão do contrato, o fornecedor devolve não apenas o valor que pagaria a construção do bem, como seu lucro, não havendo lastro para pagar a taxa de corretagem(serviço que foi prestado). Assim sendo, não seria razoável que o fornecedor, que não deu causa a rescisão arcasse com tal gasto. Não é lícito que o fornecedor obtenha lucro, mas também não é que obtenha prejuízo.

Em suma, a rescisão gera em regra, o direito do consumidor de receber as quantias pagas, de uma vez, atualizadas, com a retenção, por parte do fornecedor, de um percentual entre 10% a 25%, dependendo do caso concreto, donde já resta inclusa a taxa de corretagem, que em grandes empreendimentos costuma ser de 3%.

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