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Preparo Quando o Prazo é Em Dobro

Caros colegas, retorno ao bLex para lhes apresentar mais uma situação pitoresca vivenciada pelo Jacob & Nogueira na prática da advocacia.

Como sabem todos os advogados, quando há litisconsorte passivo, os prazos são computados em dobro, tanto para falar nos autos, quanto para recorrer (art.191, CPC) desde que as partes tenham advogados distintos.

Pois bem, eu patrocinava um dos clientes do escritório que figurava como réu em uma ação de indenização securitária, juntamente com um litisconsorte, ou seja, hipótese de materialização da norma ventilada.

A causa era extremamente complexa, e debatia valores de grande monta, mas – numa celeridade de fazer inveja àqueles casos simples que estão emperrados desde antes de 2005 – foi sentenciado seis meses depois de protocolada a inicial. Publicada a ligeira sentença de procedência total, interpus recurso dentro do prazo de 30 dias, com o devido comprovante do preparo, como de praxe.

Ocorre que fui surpreendido com o despacho do juízo a quo, quando do primeiro juízo de admissibilidade, negando seguimento a apelação sob o argumento de que a regra do art. 191 do CPC se aplica tão somente ao recurso, devendo o preparo ser recolhido no prazo simples.

Destaca-se que tão logo eu soube da decisão fiz uma pesquisa na referida Vara e não se encontrou qualquer decisão nesse sentido, embora haja vários processos em que a exata situação vivenciada haja se repetido. (Sim, este era um daqueles casos com estranhas coincidências que causam estranheza, mas que não reunen os elementos técnicos necessários para que se pudesse arguir a suspeição do magistrado).

Para ser fidedigno com a realidade, importa destacar que a peculiar decisão estava lastreado em um, UM ÚNICO, mas em um julgado do STJ, neste exato mesmo sentido.

Por mais absurdo que pareça – pelo menos aos meus olhos – o posicionamento adotado na decisão, mais ilógico ainda é reconhecer que o órgão de cúpula de interpretação da legislação federal assim também já decidiu.

O posicionamento parte da equivocada premissa de que, independentemente, do prazo do recurso, se simples ou em dobro, o prazo para o pagamento do preparo há de ser sempre no prazo simples.

Ocorre que o referido entendimento não possui qualquer embasamento legal, pois inexiste no Código de Processo Civil ou em qualquer outro diploma a estipulação de prazo específico para pagamento de preparo. Aplicam-se os prazos dos recursos, nos termos que estipula o art. 511 do Código de Processo Civil: o preparo há de ser comprovado no ato da interposição do recurso.

É certo que a única interpretação lógico-jurídica a ser aplicada ao referido artigo é aquela que transparece de sua literalidade, no sentido de que o prazo do preparo vai sempre acompanhar o prazo do recurso, visto que sua comprovação há de se dar no momento da interposição da peça recursal.

A questão é um tanto quanto simplória, sendo claro à luz dos operadores do direito em geral, que inexistem julgados ou manifestações doutrinárias a esse respeito (salvo o único precedente colacionada na decisão), por entenderem que é questão quão óbvia que prescinde digressões. A única discussão encontrada, quanto ao preparo, na jurisprudência e doutrina pátrias é no sentido de que o preparo há de ser comprovado no ato do recurso, jamais discutindo o risível entendimento esposado.

Ora, a expressão NO ATO DE INTERPOSIÇÃO não pode ser entendida como antes e nem depois, sendo certo que o pagamento realizado posteriormente à interposição do recurso gera a deserção, sendo, contudo, tão certo que se for pago em momento em que seja possível sua comprovação no momento da interposição do recurso, impossível se falar em deserção.

O marco legal é, portanto, o momento da interposição, sendo este o elemento definidor da tempestividade do pagamento do preparo, sendo completamente irrelevante se o pagamento foi realizado dias, horas ou minutos antes da interposição do recurso, bastando que seja possível a comprovação no momento da interposição.

De qualquer sorte, alerto ao colegas – principalmente àqueles que advogam em processos que estejam com muita pressa – que este isolado precedente pode vir a ser evocado.

6 comments to Preparo Quando o Prazo é Em Dobro

  • Esse é o tipo do precedente (do STJ) que parece haver sido criado ESPECIFICAMENTE para prejudicar alguém. Agora eu fiquei curioso e, em razão disso, gostaria de investigar o caso. Tu podes mencionar o número do precedente (REsp, AG, AgRg, etc …)?

  • Ricardo Adv

    Marcelo,
    Com certeza.

  • Ney Bastos

    Caro Marcelo,

    Se vc ficou furioso imagine eu. Trata-se do Resp 69316/MS.

    Abraço

  • Rapaz … li o inteiro teor do acórdão. Trata-se da decisão mais infeliz que já tive a oportunidade de ler.

  • Fernando Todeschini

    Só tenho uma palavra pra isso, ABSURDO! É cediço que o preparo deve ser COMPROVADO NO ATO DA INTERPOSIÇÃO. Ora, se a parte tem o prazo dobrado para recorrer, o preparo deve ser comprovado no nomento da interposição do recurso. Sim, eu sei que estou sendo repetitivo, mas é tão óbvio que fico assustado com coisa assim… Como professor de recursos cíveis fico assustado com isso, porque logo algum aluno vai ver isso e pensar que ensinei errado.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Grande Todeschini! Bem-vindo ao bLex, meu irmão. De fato, todo mundo que lê o código de processo civil fica perplexo com esse precedente maluco. Mas como de todo limão que a vida serve, devemos tentar extrair uma limonada, a tal decisão iniciou uma discussão interna no escritório que deve render alguns frutos, que logo, logo debateremos aqui no bLex.

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