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Protesto de Sentença

Caros,

Após breve pausa, estou de volta à ativa. Vamos então ao tema de hoje.

É muito comum o seguinte cenário se materializar: o credor é declarado vencedor em sentença judicial condenatória, que transita em julgado; após, o credor – agora exeqüente – inicia a fase de cumprimento de sentença apenas para descobrir que aquele papelzinho com a assinatura do juiz é inútil se o executado ou não tem bens ou é muito hábil em omiti-los.

Isso porque o nosso sistema de execução de decisões judiciais sofre de um problema de efetividade. É bem verdade que alguns instrumentos (como a modernização do procedimento de cumprimento, a utilização do Bacen-Jud, etc…) tem ocasionado melhoria no retorno da execução, mas a triste verdade que mediante o uso de alguns artifícios (alguns jurídicos, outros anti-éticos, e alguns até ilegais) pode protelar, e até frustrar por completo a pretensão executiva.

Sendo infrutífero o resultado das vias normais de execução, é necessário ao credor ser criativo e se valer de meios indiretos para forçar o adimplemento da obrigação. Um desses meios, que é pouco conhecido e pouco usado no meio jurídico é a promoção do protesto – no Ofício de Protesto de Títulos – do título executivo que se materializa com sentença judicial.

Ao assim proceder o credor, a obrigação da sentença receberá publicidade específica de que consta como inadimplida, o que interfere diretamente na eventual obtenção de crédito pelo devedor.

Existe uma (leve) discussão quanto à possibilidade jurídica deste protesto. A meu ver, só a ótica comprometida do devedor inadimplente justifica o argumento da impossibilidade. Qualquer análise jurídica e racional da norma e do ordenamento jurídico leva à inexorável conclusão de que tal protesto é absolutamente viável.

De início, diz a Lei 9.492:

Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.

Ora, como bem se sabe, a sentença é título executivo judicial, e portanto a simples leitura do dispositivo acima deixa claro que a ordem judicial inadimplida é protestável. Não bastasse, a pouca jurisprudência que existe sobre o tema a reconhece que tal procedimento, apesar de incomum, é perfeitamente possível.

PROTESTO DE TÍTULO JUDICIAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO – VIABILIDADE – INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1º DA LEI 9.492/97 – A sentença judicial condenatória, de valor determinado e transitada em julgado, pode ser objeto de protesto, ainda que em execução, gerando o efeito de publicidade específica, não alcançado por aquela. (TJPR – Ag Instr 0141910-9 – (23629) – Colombo – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Troiano Netto – DJPR 10.11.2003)

INDENIZATÓRIA – DANOS MORAIS – SENTENÇA CONDENATÓRIA TRÂNSITA EM JULGADO – VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR – EXECUÇÃO EM CURSO – PROTESTO DE TÍTULO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO – AÇÃO CONSIGNATÓRIA – QUITAÇÃO INEXISTENTE – GRAVAME – CONSEQÜÊNCIA DA CONTUMÁCIA DO DEVEDOR – OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR – EXONERAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO CREDOR – É possível o protesto de título executivo judicial, inclusive de sentença condenatória trânsita em julgado, ainda em vias de execução. Tal conduta não constitui ato ilícito por parte do credor. A procedência de ação consignatória em que o devedor deposita apenas parte do pagamento não induz à quitação integral do débito. Eventual gravame advindo de negativação baseada em título executivo não pago é de responsabilidade do próprio devedor contumaz, que deixou de adimplir verba de natureza alimentar. Exonera-se o credor da obrigação de indenizá-lo, na espécie. (TJRO – AC 100.005.2005.009277-0 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Roosevelt Queiroz Costa – J. 20.06.2007)

PROTESTO DE TÍTULO JUDICIAL (SENTENÇA) – CABIMENTO, COMO DOCUMENTO DE DÍVIDA QUE É – LEI 9492/97, ART. 1º – Improcedência da ação que visa ao ‘impedimento’ do protesto. Precedentes. Preliminar rejeitada; apelo do réu provido. (TJRS – AC 70011623337 – 19ª C.Cív. – Rel. Des. Mário José Gomes Pereira – J. 13.09.2005)

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – PROTESTO – CARTA DE SENTENÇA – SENTENÇA LÍQUIDA – VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA – PREQUESTIONAMENTO – RECURSO IMPROVIDO – Não há como acolher a alegação do recorrente de que foi violado o contraditório e a ampla defesa, pois se a devedora/apelante teve contra si um processo judicial, no qual, após o devido contraditório e ampla defesa, a obrigação foi reconhecida pelo Estado-juiz, e se dela não se insurgiu, desnecessárias novas intimações para que aquela “tome conhecimento” do dever de honrar o que foi estipulado em sentença. Se não foi pago o título de crédito no vencimento, age em regular exercício de direito o credor que o aponta para protesto. O protesto de título judicial configura medida compreendida no âmbito do exercício regular de direito do exeqüente, que vem tentando receber seu crédito, não havendo falar em reparação de danos. O prequestionamento significa o prosseguimento do debate de matéria apreciada na decisão recorrida, não sendo necessária a manifestação expressa do acórdão sobre dispositivos legais. (TJMS – AC 2008.022515-6/0000-00 – Campo Grande – Rel. Paulo Alfeu Puccinelli – J. 13.10.2008)

Afinal de contas, se é possível o protesto de título cambial ou cambiariforme extraído unilateralmente pelo credor, qual seria o empecilho de protestar um título criado por comando jurisdicional?

A única ressalva a ser feita é em relação aos honorários dos advogados. Como o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil proíbe especificamente a tiragem de protestos referentes a honorários, existe uma linha de decisões do TRF da 4ª região condenando alguns colegas que tentaram se valer desse mecanismo para receber seu crédito:

ADMINISTRATIVO – PROTESTO DE SENTENÇA JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO – HONORÁRIOS – DANO MORAL – QUANTUM INDENIZATÓRIO – INVERSÃO DA SUCUMBÊNCIA – PREQUESTIONAMENTO – APELAÇÃO PROVIDA – 1- O artigo 42 do Código de Ética da OAB proíbe expressamente a tiragem do protesto referente a honorários advocatícios. 2- O protesto, a toda evidência, não é meio de cobrança de dívida. Assim, consequentemente, é devida a indenização por dano moral. 3- Com relação ao valor a título de indenização por danos morais, tenho como entendimento fixá-lo no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), uma vez que esta quantia está de acordo com meu entendimento com os parâmetros valorativos da moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Precedentes desta Corte. 4- Honorários fixados em 10% sobre o valor da condenação. 5- Os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legislação pertinente à espécie, já são suficientes para o prequestionamento da matéria junto às Instâncias Superiores. 6- Apelação provida. (TRF-4ª R. – AC 2003.71.05.005515-4/RS – Rel. Jairo Gilberto Schafer – DJe 12.11.2008 – p. 385)

Outra questão a ser considerada pela parte é a escolha do mecanismo para tirar o protesto da sentença. Há quem acredite que a própria parte possa diretamente levar a cópia autenticada da sentença ao cartório do ofício de protesto, e protocolar, por sua própria conta, o pedido de restrição. Sem embargo da possibilidade jurídica dessa primeira alternativa, acredito que é mais prudente requerer que ao juízo da execução que oficie ao cartório e encaminhe o título a protesto. Nesta hipótese, imuniza-se a parte por eventual responsabilidade civil decorrente de equivoco ocorrido na tiragem do protesto, e assegura-se que o protesto só será baixado após ordem do juízo que determinou a sua inclusão. No entanto, como o procedimento é incomum, é bem possível o pedido da parte neste sentido seja indeferido por juízes mais tradicionalistas.

É obvio que este instrumento não é a panacéia de todos os males, e nem todos os devedores serão compelidos a pagar a dívida simplesmente em razão de estar protestada. Na experiência profissional do Jacob & Nogueira, o uso desse instrumento tem especial efetividade para algumas classes específicas de réus, especialmente empresas ativas no mercado, e pessoas físicas que dependam do crédito para a aquisição de bens de consumo. Nestes casos a negativação gerada pelo protesto serve como estímulo suficiente para quitar as suas dívidas.

Aliás, já vimos um caso em que a empresa-ré passou meses sofrendo execução, e, apesar de solvente, sempre protelava o adimplemento. Pelo jeito, a ré não se incomodava de ter seus bens gravados por penhora, e nem com a perseguição do oficial de justiça. A ré apresentou impugnação ao cumprimento da sentença, e não aparentou estar nem um pouco preocupada com o desfecho do caso. Mas assim que foi protestada a sentença, as coisas imediatamente se inverteram. A partir daí, foi a ré quem passou a procurar desesperadamente a autora para adimplir suas obrigações, e a dívida foi paga em poucos dias.

Prova de que, às vezes, o protesto do Tabelião vale mais do que a ordem de um Juiz.

11 comments to Protesto de Sentença

  • Fana

    é, pena que não seja a solução para todos os casos.
    como vc bem disse, funciona para alguns “réus”… no meu caso, que tenho um processo contra pf… o cara, na fase de intimação ainda… deu conta de “sumir” com os bens e a cliente, ao invés de ajudar, acabou atrapalhando e achando que a “caça cartorária” tinha que correr por minha conta.
    e aí: o requerido não compareceu, não tem bens, as contas que ele tem são negativas, o nome está na lama… pensa que acabou?
    a requerente é pessoa “amiga”, eu não cobrei pra dar entrada, pedi prazo pra suspender o processo até que ela encontrasse algo em nome do requerido e o juiz deferiu… só que não ocorreu, uma vez que ela simplesmente disse que não ia correr os cartórios (pasmem!)…
    e tem mais… honorários? nem pensar, esse tipo de cliente jura que advocacia é “serviço fim”… ou seja, só paga quando ganha!!!

    vivendo e aprendendo!

  • Fraco e comprimido

    Há casos e “casos”. Primeiramente há o devedor esporádico e, esse, a qualquer momento paga e não deve ser confundido com o mau pagador contumaz.Esse é profissional e ninguem vai receber dele nunca. Antes de entrarmos com qualquer ação devemos saber se vale a pena ou não. Perder tempo com quem já está falido, ora ora. Passa pra outro. Nem de longe podemos confundir o inadimplente com o criminoso.Devemos estudá-lo.No caso da empresa citada pelo Daniel, a “ferida” era o protesto. Pagaram rapidíssimo. Já no caso do calote, pode chamar até o Bispo, in casu, Dom Luiz, que também não vai resolver nada. See you.

  • Douglas

    Já vi juiz mandar incluir no SERASA, o nome do executado, mas não deu certo, ele vai esperar os cinco anos, e dará pino novamente.

  • Poliana Godoy

    Primeiramente, gostaria de elogiar o autor do artigo, por tratar de um tema pouco debatido no mundo juridico.
    Alias, por este motivo, estou elaborando minha monografia sobre o tema para que o protesto sirva de mecanismo para coagir o devedor a cumprir a sentença condenatória.
    Neste sentido, o TJ de pernambuco já editou uma resolução possibilitando ao devedor de pensão alimenticia ser protestado.
    Bom, o escopo é buscar formas de efetivar o provimento jurisdicional, mesmo que para isto os operadores juridicos utilizem o serviço extrajudicial.
    Abraços.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Poliana,

    Antes de qualquer outra coisa, obrigado pela relevante contrbuição. Gostaria de saber se seria possível obter uma cópia dessa resolução (ou pelo menos indicar o número) para que possa ser posta a debate aqui no bLex?

  • Poliana Godoy

    Sim, o TJ de Pernambuco editou o Provimento 03/2008 link- http://www.tjpe.jus.br/judiciario/corregedoria/provimentos.asp
    e recentemente a Corregedoria-Geral da Justiça em Goiás editou o Provimento nº 08/2009, acrescentando dois novos artigos à Consolidação dos Atos Normativos, dispondo sobre protesto de sentença proferida em ação de alimentos- disponivel no site http://www.marialuizapovoa.com.br/dados/file/PROVIMENTO%2008-2009.pdf.
    Encontrei ainda uma decisão no STJ sobre o tema, http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Acordaos/IntegraAcordao.asp?num_registro=200500808450&dt_publicacao=16/06/2009
    Espero ter ajudado,
    Abraços.

  • Rafael Brenner Machado Silveira

    O mau pagador é aquele que tem condições e, esporadicamente não paga, de birra. Este tem que sofrer todas as conseqüências! A Constituição é violada todos os dias, pois todos os dias vejo ir preso um devedor de alimentos que simplesmente não tem condições de dispor de um centavo sequer para si. Mas o devedor esporádico, que, na imensa maioria dos casos pode pagar, mas não o faz em razão de plena má-fé, este se livra, pois fica trés meses sem auxiliar no sustento do filho e depois da citação de prisão vai lá e faz o pagamento. Se estiver inadimplente, por dificuldades temporárias, que peticione nos autos e informe o(a) responsável pelo alimentado(a). Essa de diferenciar o devedor esporádico do mau pagador não cola, pois normalmente eles andam juntos.

  • Fraco e comprimido

    Negativo. Não andam junto coisa nenhuma. O mau Pagador é aquele que não paga suas contas mas aparece de Hilux zerada, está nas colunas sociais, vive de aparência. Este sim merece ser cobrado ”debaixo de vara”. Aquele que está falido merece a compreensão da sociedade, mais algum tempo, paciência. Não podemos confundir o ”estelionatário” que, de longe, nada tem à ver com o ”inadimplente”. E mais: para protestar, o credor vai ter que pagar custas no cartório de protestos, ou seja, ainda vai gastar mais. Será que vale a pena? Ainda acredito nos acordos.

  • Arivan de Carvalho Nunes

    Na verdade o Provimento mencionado por Poliana não é da Corregedoria Pernambucana, e sim do Conselho da Magistratura Pernambucano – Provimento nº 03/2008-CM publicado no Diário Oficial do Estado de Pernambuco no dia 17.09.2008 – Página 9 do Caderno do Poder Judiciário.

  • Florisvalldo Florenciio

    Excelente artigo, que remonta uma fase processual muitas vezes desanimadora, mas que precisa ser superada pelo advogado. De fato o artigo é rico em trazer informação comprovadas para se buscar a publicidade da dívida. Seria Possível o nobre colega, tecer alguns comentários na possibilidade de após o protesto da sentença judicial, o credor requer a falência do devedor profissional ?

  • DIOGO L DE PAULA

    certidão de objeto e pé de um processo de execução alimentar, se pode protestar?

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