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Arbitragem em Dissídios Individuais de Trabalho

Apresentadas, em post anterior, as principais características da arbitragem, destacando-se sua área de atuação e as vantagens que possui quando cotejado o instituto com o Poder Judiciário, vale discutir uma área nevrálgica e que é de suma importância ao público alvo deste blog, a saber, a utilização do instituto no âmbito das questões trabalhistas individuais.

Antes de defender meu posicionamento devo, para fins de contraponto, elencar a corrente que advoga no sentido contrário à utilização do instituto da arbitragem na resolução de litígios trabalhistas.

Tal corrente utiliza como base de tal negativa a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, o que tornariam os litígios que os discutam como inarbitráveis, nos termos do artigo 1ª da Lei de Arbitragem, agregado à vulnerabilidade econômica e social do empregado.

Importa recordar que o artigo 1° da Lei n.° 9.307196( Lei da Arbitragem) preceitua:” As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

Utilizando a limitação objetiva, ou seja, os litígios que podem ser arbitrados, esta corrente defende que não pode ser ultrapassado o terreno dos direitos patrimoniais disponíveis pelos particulares, ou seja, aqueles não afetem a ordem pública e que sejam suscetíveis de transação.

É certo, e quanto a isso não há qualquer discordância doutrinária, que os direitos trabalhistas não estão dentre aqueles direitos de índole estritamente particular, sobre os quais que as partes podem dispor através de um negócio jurídico. Configuram-se, pois como de ordem pública, sendo irrenunciáveis.

Conforme já defendido, a livre disponibilidade de direito é passagem obrigatória para a análise da arbitrabilidade de um litígio, o que poderia, em um primeiro momento, dar azo à interpretação que a citada corrente contrária defende.

Diversos são os entendimentos que os direitos do trabalhador, sobretudo, aqueles elencados no artigo 7º. da Constituição Federal, são indisponíveis, sendo irrenunciáveis e inflexíveis. Dentre tais direitos se pode citar o direito ao salário mínimo, ao fundo de garantia por tempo de serviço, às férias, ao décimo terceiro salário, etc.

Mais uma vez, destaca-se que não se discute aqui a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, mas sim uma necessária divisão entre o direito e a valoração pecuniária que tal direito recebe.

A fim de que tal distinção ganhe contornos práticos, utilizar-se-á os seguintes exemplos:

A empresa XYZ contrata João da Silva, para que o mesmo preste serviços de soldador em suas instalações. No momento da contratação, a referida empresa apresenta a João um contrato de trabalho em que há expressa renuncia a horas extras, décimo terceiro salário, férias remuneradas e aviso prévio em caso de demissão sem justa causa.

É certo, que a luz das regras do direito do trabalho e, sobretudo, constitucionais, tais disposições são nulas de pleno direito, ainda que o referido contrato haja sido assinado por João, uma vez que se tratam de direitos irrenunciáveis, havendo claro interesse público de que a classe trabalhadora não seja sobrepujada pelos interesses econômicos, o que certamente aconteceria em face da escassez de postos de trabalho aliada a abundância de mão de obra.

O mesmo raciocínio se aplica a hipótese de que o João ser contratado e, durante o período laborado, assinado contrato renunciando aos direitos citados, visto que mais uma vez estaria dispondo de um direito que não é de sua exclusiva fruição.

Pensemos, contudo, na seguinte hipótese, João não assinou qualquer contrato de trabalho, mas é demitido sem justa causa, sem que lhe haja sido pago décimo terceiro, férias e aviso prévio.

É certo que tais direitos são legalmente reconhecidos, o que faz com que João procure a Justiça do Trabalho, a fim de que seus direitos sejam efetivados, através da imposição de condenação pecuniária ao empregador. Como de praxe, é pautada audiência conciliatória, onde a discussão não se redunda mais apenas à existência do direito, mas sim ao valor pecuniário de tal direito.

Nesta oportunidade, aceita-se, sem qualquer restrição, a realização de acordo em valor pecuniário bem menor daquele indicado no pedido da reclamatória, ainda que o valor requerido corresponda perfeitamente ao valor dos direitos não pagos no momento da rescisão.

Os exemplos citados, não deixam a menor dúvida a respeito da enorme diferença entre a renúncia ao direito (an debeatur) e a renúncia do valor pecuniário de tal direito (quantum debeatur).

É exatamente aqui que está a grande chave da questão, visto que a possibilidade de que a representação pecuniária dos direitos trabalhistas pode ser objeto de transação, no âmbito do poder judiciário, torna tal direito renunciável, e, portanto, arbitrável.

Contudo, tal possibilidade precisa ser adequada à especificidade dos direitos trabalhistas e, sobretudo, ao momento em que o direito passa ser analisado sob a ótica pecuniária. Assim sendo, a existência de uma cláusula compromissória em um contrato de trabalho assinado no momento da contratação ou durante o período trabalhado, mostrar-se-ia como nula, visto que se estaria pactuando a arbitragem a respeito de direito indisponível.

De outro lado, a celebração de um compromisso arbitral, entre empregador e empregado, rescindido o contrato de trabalho, momento em que os direitos trabalhistas ganham clara feição pecuniária – o que autoriza sejam livremente negociados até mesmo no âmbito do Poder Judiciário –não há nenhuma justifica lógico-jurídica para que se advogue de maneira contrária à aplicação do instituto.

O momento em que a arbitragem é pactuada é de suma importância para sua validade no âmbito trabalhista, visto que sua pactuação anterior à extinção do contrato pode dar azo a abusos por parte do empregador, que fazendo uso de seu poder econômico obrigasse o trabalhar a aceitar tal pactuação. Dutro giro, sua celebração depois de extinto o contrato, momento em que a perda do emprego não mais existe, se mostra como legitima a escolha livremente realizada pelo empregado, possibilitando a utilização da arbitragem.

A questão, contudo, ainda é espinhosa, pois o TST não demonstrou posicionamento pacífico a respeito da questão, ao revés, possui julgados antagônicos, ora reconhecendo a validade da sentença arbitral proferida em casos individuais de trabalho, ora rechaçando tal validade.

Em face desta incerteza, ainda tenho aconselhado meus clientes a não se utilizarem do instituto nestas hipóteses, mas tenho a expectativa de que o bom senso fale mais alto e, em um futuro próximo, seja reconhecida de forma irrefutável sua validade.

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