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Indo com muita sede ao pote

Caros amigos, tive a honra de ser convidado a fazer parte deste inovador projeto chamado bLex, mas demorei algum tempo até encontrar o tema ideal que marca minha primeira participação em blogs.

Acabei por escolher um tema que tem alguma relação com inícios, e espero que desperte o interesse de vocês, pois até o presente momento, muito pouca gente atentou para a situação aqui abordada. Pois bem, sem mais delongas, este post trata da utilização indiscriminada do instituto da desconsideração da personalidade jurídica por parte da Fazenda Pública Estadual.

A lei tributária regulam as hipóteses em que o sócio responde por obrigações fiscais da sociedade. O art. 135 do CTN, por exemplo, diz que a responsabilidade pessoal do sócio pressupõe prática de atos “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Outras normas esparsas estatuem que o sócio responde se houver distribuição disfarçada de lucras (Dec. Lei 1598). Em qualquer hipótese, existem elementos subjetivos que a Fazenda precisaria provar antes de alcançar o patrimônio pessoal dos empresários.

Não é isso que vem ocorrendo na prática. Esse instituto, que deveria ser aplicado somente em casos de dolo, e apenas em hipótese de atuação da empresa em seara diversa da prevista no contrato social, atuação contra a lei, ou quando a empresa é utilizada como escudo na defesa do patrimônio dos sócios, ou seja, quando há, por parte da sociedade, atuação fraudulenta, vem sendo aplicado indiscriminadamente pela Fazenda Pública Estadual, e o que é pior, vem sendo facilmente recepcionado pelo Judiciário.

Na prática, logo após a citação do devedor principal – a empresa – são emitidas citações aos sócios, indiscriminadamente, tanto aos gerentes ou administradores quanto aos que não tem qualquer relação com a direção.

Também já testemunhei oportunidades em que as citações eram simultâneas: cartas eram enviadas tanto para a empresa quanto para os sócios, e a fundamentação era sempre a mesma teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

Não é difícil observar que há uma vulgarização da aplicação desse instituto por parte da Fazenda Pública. É um abuso praticado em favor do Estado, mas em detrimento do cidadão, que não vem recebendo a atenção devida e passa despercebida por grande parte dos advogados que atuam na área tributária.

A complacência do Judiciário também contribui para a prática. Até pouco tempo atrás não havia qualquer filtro dos pedidos da Fazenda neste sentido. Da forma que chegavam, eram deferidos, ou seja, não havia uma efetiva apreciação do caso concreto.

Há alguns anos, porém, observei que havia inúmeros casos de – pasme, leitor – citação dos sócios antes mesmo da citação da empresa, situação esta que obrigou as Varas responsáveis a retroceder alguns anos no andamento das Execuções e iniciar todo o procedimento novamente, tudo por culpa da pressa em alcançar o pote de biscoitos.

A supressão de etapas causou um retrocesso enorme em algumas ações, mas restabeleceu a oportunidade de defesa para milhares de injustiçados, que tinham seus bens penhorados, contas bloqueadas, e várias noites de sono perdidas sem nem mesmo saber o porquê.

Os redirecionamentos das Execuções Fiscais ainda ocorrem sem qualquer discussão sobre a ocorrência de dolo ou mesmo ilegalidade por parte da empresa, e são considerados, aparentemente, apenas como mais uma “fase” processual, antes mesmo da constatação da impossibilidade de pagamento pela devedora original.

É a sede de chegar ao pote que vem perpetuando o uso indevido desse instituto, e mantendo a balança da justiça em flagrante desfavor dos cidadão.


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