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Os Papeis Conflitantes do Advogado

Recentemente, estive reunido com um cliente que contratou o escritório para atuar numa causa pontual. O cliente era uma empresa com uns cinco anos de existência e essa era a primeira demanda judicial que sofria. Juntei todos os documentos, e comecei a fazer uma análise do caso para o cliente. Elenquei os riscos da causa, descrevi as coisas que poderiam ter sido feitas para fortalecer a posição do cliente, e enumerei um a um as falhas da nossa posição. Quando terminei, o cliente estava me encarando com os olhos assustados e o rosto pálido. Ele me perguntou, em essência, como é que eu estava me propondo a defender a sua causa se eu achava que ele estava tão errado.

O fato é que eu acreditava, como ainda acredito, que ele estava certo e deve sair vitorioso na demanda para a qual fomos contratados. Mas nem por isso posso me furtar da obrigação de fazer, para o meu próprio cliente, uma análise das vulnerabilidades da sua posição. Eu tenho o dever de dar a meu cliente todas as informações a meu dispor, bem como a minha opinião a respeito de tais informações, para permitir que o mesmo tome decisões informadas sobre o processo.

O advogado que litiga tem dois papéis que, aparentemente, são conflitantes entre si. O primeiro (e o mais natural) é o de defender com unhas e dentes a causa do cliente (respeitando, por óbvio, os limites éticos e legais): deve cuidar diligentemente da prova e construir os melhores argumentos jurídicos possíveis para poder demonstrar quão correta é a posição de seu constituinte. Mas o advogado, por vezes auto-convencido pela sua própria argumentação, deixa de cumprir outro papel não menos importante: o de ser acidamente crítico de sua própria causa e, nos confins do sigilo profissional protegido por lei, expor os riscos do feito ao próprio cliente.

O advogado que é sempre confiante de suas vitórias, e assegura ao cliente que a matéria é “causa ganha” comete, a meu ver, má prática profissional caso o cliente venha a ser derrotado. A advocacia é obrigação de meio, e não de resultado, mas se o advogado assegura o resultado, assume o risco de promessa.

Além disso, o último árbitro do nível de risco aceitável é o próprio cliente que sofre esse risco. O papel do advogado é dar ao cliente elementos para que saiba qual é a decisão que está tomando e o que essa decisão significa. É possível, por exemplo, que o cliente seja averso a risco e que, tomando conhecendo de uma pequena vulnerabilidade no feito, decida celebrar acordo com a parte contrária.

A mesma regra se aplica no caminho inverso. O advogado consultivo não manda na empresa: informa o empresário sobre eventuais riscos de determinada conduta. Caso o empresário decida que é um risco aceitável tomar determinado caminho, mesmo à contraposição de recomendação do advogado, está livre para fazê-lo. O papel do advogado nessa situação é exatamente de municiar o empresário de informações acerca da extensão de sua exposição. Caso o empresário ignore a opinião do advogado, o faz sabendo das possíveis consequências. E mais: caso o objeto da consulta vire uma demanda judicial, cabe ao advogado defender com veemência – nos limites do ético e do juridicamente possível – a conduta de seu constituinte. [Com uma ressalva: se a defesa é impossível, e o advogado informou isso ao cliente quando da consulta, pode se recusar a defendê-lo na eventualidade de uma ação judicial].

Em suma, o papel (nem sempre agradável) de informar plenamente o cliente pode parecer conflitante com o papel de defendê-lo e afirmar que o cliente está sempre correto. Mas um advogado sério tem obrigação de realizar ambas essas funções com a mesma dedicação, mesmo que isso assuste alguns clientes mais desavisados.


2 comments to Os Papeis Conflitantes do Advogado

  • É por isso que eu acho que é questão de tempo para que a Justiça Estatal ceda lugar à Arbitragem.

  • Douglas

    Concordo, vejo muito ético a demonstraçao de uma possível derrota, mas deve existir um foco maior nos elementos que podem trazer a vitoria.
    Quem garante sempre o ganho, acaba se queimando, isso acontece muito, na area criminal.

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