Nosso escritório advoga para a concessionária do serviço público de água de Manaus. Nessa condição, nos deparamos com algumas ações em que o autor busca, no judiciário, uma alteração para si das regras da concessão. É comum, por exemplo, que o dono de um prédio de múltiplos escritórios queira pagar por apenas uma conta geral, e não uma conta por escritório. O que muita gente não entende é que a concessionária de água não estipula as suas próprias regras; ao revés, é obrigada a se valer das regras estipulada pelo Poder Concedente (no caso, o Município de Manaus) quando da celebração do contrato de concessão. Se a concessionária cobra uma conta individual por cada escritório (ou “economia” no jargão da Concessão) é porque essa foi a regra estipulada pelo Município.
Inauguramos hoje a seção de “Peça Processuais e Pareceres” do bLex, apresentando os argumentos que utilizamos em processos judiciais quando o autor busca provocar o judiciário a alterar as regras estipuladas pelo Município no contrato de concessão. Abaixo, copiamos o tópico de uma de nossas defesas que lidou com a impossibilidade jurídica do Juiz revisar termos do contrato de concessão exatamente num caso onde o autor tenta combater a regra de uma conta por economia. Aos visitantes advogados, não deixem de aponta r nos comentários eventuais falhas em nosso raciocínio:
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Uma Questão híbrida de Preliminar e Mérito: A Impossibilidade Jurídica do Pedido de Revisão da Conveniência Administrativa e o Conceito Sistemático de Concessão
A peça exordial é inepta (CPC, Art. 295, parágrafo único, III) e a ação proposta é carente (CPC Art. 267, VI), pois ambas essas conseqüências processuais decorrem da impossibilidade jurídica do pedido. A despeito de ser este tema próprio das preliminares, está incluído dentre os tópicos meritórios da contestação pois a discussão de aspectos essenciais ao mérito é necessária para que a objeção preliminar seja compreendida em sua plenitude.
A autora deseja, em essência, que o poder judiciário reveja a conveniência e discricionariedade administrativa exercitada pelo Município de Manaus, quando este ditou os parâmetros e elementos do contrato de concessão.
Existe uma significativa diferença entre argüir a ilegalidade de uma decisão administrativa, e simplesmente discordar da decisão administrativa.
A autora tenta mascarar a sua objeção sob o manto da legalidade, mas sua vã tentativa é absolutamente transparente. Não aponta a inicial nenhuma norma positivada que tenha sido violada. Recorre a dispositivos abstratos e programáticos para inferir uma suposta ilegalidade, enquanto todos os dispositivos que textualmente endereçam a tarifa mínima por economia o fazem para regulamentar sua aplicação.
A real objeção da autora é contra a decisão político-administrativa do Município de Manaus de utilizar os conceitos de tarifa mínima e subsídio cruzado como pilares do sistema de saneamento básico.
É bem verdade que o Município tinha outras opções para estabelecer os critérios de remuneração dos serviços concedidos. O Poder Concedente poderia, por exemplo, implementar um sistema sem tarifa mínima alguma (como quer o autor em seu pedido “c”), mas essa equação significaria automaticamente uma tarifa unitária bem maior para cada metro cúbico de água. O Poder Concedente poderia também implementar um sistema de remuneração como percentual de custo (como quer o autor em seu pedido “d”), mas esse modelo tem a conseqüência de estimular a ineficiência na prestação do serviço. Também seria possível ao Poder Concedente optar por criar um modelo com “novos patamares para cada classe consumidora comercial, levando-se em contra critérios isonômicos que sopesarão a capacidade econômica e o volume de água utilizado”, criando um complexo sistema de tipos de consumidores comerciais, o que significaria a criação de vários mini-sistemas tarifários.
Todas essas opções eram existentes e possíveis ao Poder Público Municipal. Mas a opção adotada pelo Município é aquela desposada no Contrato de Concessão: Tarifa mínima por economia com aplicação de subsídio cruzado.
A autora não gostou da opção municipal, e quer que o Poder Judiciário se substitua à Administração Pública na escolha de um sistema que aparentemente seria mais vantajoso à autora.
Diz-se “aparentemente” pois a autora parece ignorar um dado importantíssimo. O sistema de concessão é exatamente isso que o nome implica que seja – um sistema, com múltiplas variáveis interconectadas. A quantidade de usuários, o nível de inadimplência, o valor da tarifa, os investimentos exigidos da concessionária, a expansão e universalização do serviço, a estrutura tarifária e as obrigações acessórias são apenas algumas das variáveis que são consideradas quando da organização de uma concessão de serviço público.
A inescapável verdade é a seguinte: aconteça o que acontecer, independente do modelo da concessão, o custo da operação do sistema de abastecimento d’água e esgotamento sanitário será sempre constante. E pelo princípio constitucional do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, a concessionária tem o direito de manter as condições às quais aderiu no início da avença administrativa. Ou seja, quando se altera um dos elementos da equação contratual, os demais elementos devem ser igualmente sofrer ajuste de modo a compensar a modificação.
Para fins didáticos, façamos a análise do seguinte exemplo simplificado. Digamos, para efeito de raciocínio, que a relação de concessão tenha apenas duas variáveis: a tarifa por metro cúbico (T) e a quantidade de metros cúbicos faturados (M). Os demais elementos (usuários, investimentos, adimplência, etc…) são inalteráveis, e representados pela letra (O). O custo da concessão (K), que é uma constante no nosso exemplo, seria:
Neste caso, se alguma força exterior ocasionasse a diminuição dos metros cúbicos faturados (M) pela metade, para que (K) permanecesse inalterado seria necessário duplicar as demais variáveis da equação:
Ou seja, para que a constante permaneça inalterada – e o custo do sistema é uma constante que precisa ser paga pelos usuários – seria necessário dobrar o valor da tarifa para manter o equilíbrio contratual caso a quantidade de metros cúbicos faturados fosse diminuída pela metade.
A falácia e o sofisma do argumento da autora residem aí. A autora quer pagar um volume de água menor do que o estabelecido pelo atual sistema de tarifa mínima, algo equivalente a (½M), ao passo em que quer pagar a tarifa por metro cúbico hoje em vigor, ou seja, (T).
O problema desse argumento é que se a Administração tivesse optado por um sistema de concessão que gerasse (½M), haveria de ter estabelecido uma tarifa no valor de (2T) sob pena de falência do sistema como um todo.
A real equação contratual, como se sabe, é muito mais complexa e populada com muito mais variáveis do que o exemplo acima, mas o conceito é o mesmo: é impossível alterar apenas uma variável da equação sem fazer o devido ajuste nas demais.
O Poder Público Municipal, na qualidade de Poder Concedente, de modo estudado, exercendo consciência social e atendendo às preocupações técnicas que discutiremos nos tópicos abaixo, realizou uma opção político-administrativa – situada inteiramente na esfera da discricionariedade e conveniência administrativa – de adotar o modelo hoje em vigor.
O que a autora pede é que se ignore esta opção da administração pública, para que o Judiciário faça as vezes de administrador público e talhe em benefício da autora uma regra especial que é mais do seu agrado.
Inobstante, exceto se absolutamente irrazoável e despropositada a conduta administrativa, é vedado ao poder judiciário intervir ou modificar os atos administrativos discricionários. Não há nem como se falar em violação ao princípio da legalidade que rege a administração publica, até porque a conduta da ré é exatamente a conduta imposta, determinada e positivada pelo Poder Concedente.
Existindo algum motivo razoável para a opção administrativa – como se demonstrará à amplitude que existe nos tópicos seguintes – esta é imune à revisão jurisdicional, sendo portanto, absolutamente impossível o pedido autoral, que pede seja modificada para si a estrutura tarifária escolhida pelo Poder Concedente dentre outras opções igualmente razoáveis.
Ola Amigo Fabio, consegui abrir o blex, gostei mas se possivel for pede aos colaboradores que escrevam materia resumidas senão cai no cansaço de quem pretende ter a leitura dinamica quanto as demais.
Em breve, se autorizares escreverei sobre a materia de Familia.
Parabens.
Rosalvo Frazão
Caro Rosalvo,
A proposta do bLex é discutir temas tanto do ponto de vista cotidiano, quanto do técnico. O post a que estás respondendo é o primeiro da categoria “Peças Processuais e Pareceres” que foi criada exatamente para publicar teses e petições, e tende a ser mais longa. Também tendem a ser mais aprofundados os textos das categorias “Análise e Opinião” e “Artigos Jurídicos” (ainda inédito). Já os os posts das demais Categorias tendem a ser menores. À guisa de exemplo, a categoria “Cotidiano Forense” tendem a ser mais leves, e aqueles da categoria “Prática e Estratégia Jurídica”, mais pragmáticos. Tomamos muito cuidado em dividir os Posts nas suas áreas apropriadas. Inclusive, por conta do teu comentário, prepararemos um guia de categorias para que os leitores possam melhor escolher os textos que se adequem às suas necessidades. Agradeçemos a sugestão.
Daniel
Nobre colega parabéns pela preliminar suscitada….entendo que esse espaço reservado para “Peças Processuais e Pareceres” não poderia resumir-se em breves linhas como sugeriu o amigo Rosalvo…certamente leitores e colegas é que perderiam deixando de tomar conhecimento de textos tão bem elaborados como vc tem apresentado… seu blog já faz parte de minha leitura obrigatória! Parabéns.
[...] ao Ato Administrativo Por Daniel Fábio Jacob Nogueira Em oportunidade anterior, o bLex publicou excerto de petição que defendia a impossibilidade jurídica do Judiciário alterar os termos de um…, que foi desenhado de acordo com a conveniência e discricionariedade administrativa do Poder [...]