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Nova Lei do MS torna Importadores em Reféns

A nova Lei do Mandado de Segurança implementou algumas mudanças interessantes no regime jurídico do remédio heróico. Nada obstante, o novo diploma está longe de ser perfeito. Acompanhe neste caso hipotético, algumas das falhas da lei 12.016/09:

Imagine que você é advogado de uma mega indústria operando na Zona Franca de Manaus. Sua cliente produz 20.000 aparelhos de reprodução de áudio em MP3 por dia, e o faz quase que exclusivamente com componentes nacionais. O único insumo que é importado é um pequeno chip, que não é fabricado no Brasil, mas que é absolutamente essencial para que o tal aparelho funcione. Imagine agora que seu cliente mandou importar 2 milhões de chips, se preparando para a demanda do Natal. Quando o carregamento chega à alfândega, um fiscal – com claras intenções escusas – constrói uma interpretação absurda da legislação aduaneira e impede a empresa de ter acesso à mercadoria se não pagar tributo 10 vezes maior do que o é efetivamente devido.

Qual a solução? A interpretação maluca (e até dolosa) do fiscal viola o direito líquido e certo da cliente, portanto a solução é o mandado de segurança, certo?

Em tese sim, mas esqueça a idéia de obter liminar para liberar a mercadoria importada.

Isso porque a o §2º do art. 7º da dita norma estatui:

Art. 7º. §2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

O cliente tem pressa. Você contempla ingressar com uma ação ordinária, requerendo tutela antecipada. Não adianta. Além de demorar mais, tem a mesma restrição:

Art. 7º § 5o As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei no 5.869, de 11 janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.

Você reúne com o cliente e explica que a liminar é impossível, pelo menos sem prestar caução (e existem doutrinadores que dizem que nem a caução é possível neste caso). Como é matéria de direito, o mandado de segurança tem preferência e você é um profissional diligente, acha que consegue uma sentença na justiça federal em uns seis meses. O cliente respira fundo, calcula os estoques da empresa, e te manda seguir em frente.

Você impetra o mandamus. Seis meses depois, ainda não há sentença. Por que não? Porque a juíza estava ocupada despachando MS com liminar deferida. Diz a lei:

Art. 7º § 4o Deferida a medida liminar, o processo terá prioridade para julgamento.

Como o seu caso não tem liminar deferida, não tem tanta prioridade de julgamento. Mas você insiste, vai ao cartório todo dia, passa a despachar com a juíza do feito toda semana. Ao final de oito meses, sai a sentença. A juíza concorda que o fiscal está realizando uma leitura tresloucada do direito. Concede a segurança. Você liga para o cliente, comemorando. “Que alívio!” diz ele. “Nossos estoques estavam a uma semana de acabar. Quando libera a mercadoria?” Acontece que você não tem uma resposta muito boa para dar ao teu constituinte:

Art. 14.  § 3o A sentença que conceder o mandado de segurança pode ser executada provisoriamente, salvo nos casos em que for vedada a concessão da medida liminar.

Ou seja: se houver apelação da Receita, ou até da autoridade coatora (que à luz do §2º do art. 14, está autorizada a fazê-lo), teu cliente só pode colocar as mãos nas peças importadas quando o TRF julgar o mérito do recurso, o que, com sorte, ocorrerá em um, no máximo dois anos.

“Deixa ver se eu entendi” diz o seu cliente “Gastei dinheiro como honorários advocatícios, estou pagando armazenagem, e apesar de ter direito de importar a mercadoria pagando o imposto justo, vou ter que esperar uns 3 anos para recebê-la, enquanto toda a produção da minha empresa fica parada?”

E, com tristeza na voz, mas com a resignação de um abandonado da Justiça,ele arremata, quase que para si mesmo “Da próxima vez não contratarei advogado. Pagarei a propina do fiscal…”

Nota: Apenas para que não paire qualquer dúvida, este é um exemplo hipotético e fictício utilizado apenas para demonstrar como a falha legislativa põe o importador como refém absoluto do fiscal aduaneiro. Não se trata, em hipótese alguma, de adaptação de caso que tenha ocorrido com o autor, com qualquer advogado do Jacob & Nogueira, ou com qualquer um de seus clientes.


5 comments to Nova Lei do MS torna Importadores Reféns

  • Marcelo Augusto

    Resta ao advogado suscitar, incidentalmente, na peça do mandado de segurança, a inconstitucionalidade das vedações previstas na Lei Federal n. 12.016/2009 e insistir no pedido de liminar.

    O caso é típico de violação ao princípio constitucional do acesso à Justiça (CF, artigo 5o, XXXV).

  • Ewerton Almeida Ferreira

    Excelente Mestre.

    É de clareza solar essa sua resposta.

    Abraço Fraternal.

    Ewerton Almeida Ferreira

    Advogado

  • Jan Ricelle L. Queiroz

    Parabéns Mestre.
    É esta clareza e objetividade que falta aos estudantes nas faculdades!
    Abraço.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    Só tem um pequeno probleminha…. O STF já disse no passado que um dos diversos momentos em que a lei diz “não se concederá liminar” não viola o art. 5o , XXXV… Até que o STF expressamente digo o contrário, teremos um problema na prática de qualquer modo. Acho que a solução é, no plano pragmático, um desafio à norma em controle concentrado.

  • O STF disse, mas grande parte dos juízes federais não pensa assim …

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