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Será o Toffoli a nossa Harriet Miers?

Todos estão em polvorosa com a indicação do Toffoli ao Supremo Tribunal Federal. Só para dar um exemplo local, o Naranjo está em campanha aberta contra a indicação: Já expressou sua indignação neste, neste outro e também neste post.

O problema, no meu ponto de vista, não é tanto que o Lula indicou o seu advogado. Os críticos tem reclamado tanto da falta de notório conhecimento jurídico quanto da inexistência de conduta ilibada. O fato é que o presidente conviveu com o dito cidadão, e na sua análise subjetiva o indicado atende a ambos os critérios. Para se ter notório conhecimento jurídico não é necessário ter mestrado, ter escrito livros, passado em concurso público, ou atuado em prol da administração. Eu acredito que o notório conhecimento pode ser constatado da própria prática da advocacia. Conheço alguns advogados que são profissionais excepcionais, juristas dos mais qualificados, mas que investiram na carreira profissional, e não na acadêmica. Nem por isso deixam de ter notório conhecimento.

Quanto à questão da reputação ilibada e as condenações do Amapá, acredito que só se pode chegar a uma conclusão com a análise dos autos e dos fatos que circundam o feito.

Isso não significa necessariamente que eu apóie a indicação do Toffoli. Significa, no entanto, que eu gostaria de ver as nossas instituições democrático-constitucionais funcionarem de modo correto, tal como concebidas. A vaga do Supremo não depende unicamente da indicação do presidente da república: Este, valendo-se de seu julgamento subjetivo, indica à vaga o profissional que acredita reunir os atributos exigidos pela Constituição; por sua vez, cabe ao senado julgar se, objetivamente, os critérios foram atendidos pela indicação.

O problema é que a segunda parte desta equação tem sido, até hoje, uma mera exigência protocolar. O senado não leva a sério o seu papel de aprovar as nomeações. É apenas uma formalidade, e a sabatina no senado costuma ser uma troca de amenidades entre o sabatinado e os senadores. Daí, nasce um círculo vicioso. Se o presidente sabe que sua indicação não será espremida no senado, e que aquela casa aprova todos os que são indicados, é natural que passe a diminuir seus critérios para fazer a indicação.

É óbvio que, com o amadurecimento da nossa democracia, isto há de mudar. O que se espera do senado é que cumpra seu papel e que sempre sujeite o indicado a uma rigorosa sabatina.

O nosso sistema constitucional é de 1988, tem 21 anos de idade, e nunca presenciou uma recusa a indicações ao Supremo. (Aliás, se o que ouvi está correto, parece que em toda a história do Brasil ocorreu apenas uma recusa, no raiar da nossa república, quando um presidente tentou nomear seu médico pessoal para a mais alta Corte do país)

O sistema constitucional norte-americano tem 222 anos de idade. Lá, a sabatina beira o sadismo intelectual. Tudo que o sabatinado já escreveu, defendeu ou decidiu na vida é dissecado pelos Senadores e seus assessores. O sabatinado se sujeita a um horrendo e longo processo que faz qualquer defesa de tese de doutorado parecer fichinha. Mas o filtro funciona: a recusa é rara, mas acontece. Neste período de dois séculos e troco, o Senado recusou diretamente 12 indicações presidenciais à Suprema Corte, realizou manobras regimentais (o filibuster) para inviabilizar o nome de 2 indicações, e constrangeu um presidente a retirar sua nomeação. Este último caso é interessante, pelos paralelos com nossa situação atual. Em 2005 o Bush, em mais uma manobra genial, nomeou Hariett Miers à Corte Suprema dos Estados Unidos. A Senhora Meiers, que à época era a Advogada-Geral da Casa Branca; antes tinha sido por muitos anos advogada pessoal do Bush Filho, inclusive na época em que este era governador.

O fato é que, após a indicação da advogada do Bush, o Senado americano começou a fazer o seu trabalho. Nas diversas inquirições da Senhora Meiers, senadores de ambos os partidos chegaram à conclusão que o único conhecimento notório da indicada era com a pessoa do presidente; ao que tudo aparenta, ela não era tão íntima assim do Direito Constitucional. Mesmo sem ter nenhum problema quanto à sua reputação, o presidente Bush começou a perceber que, se fosse inquirida, seria esmagadoramente rejeitada por senadores de todos os partidos. Constrangido, retirou a indicação.

Deixo claro aqui que não tenho elementos para julgar o Toffoli, e nem tenho esta incumbência. Mas tenho elementos suficientes para constatar a omissão do Senado Federal numa missão que é de vital importância para o país. O Senado é o único guardião que se posta entre o nosso Presidente da Repúbica e as vagas do Supremo Tribunal Federal.

Desde que a Constituição Americana entrou em vigor, o Senado impediu, em média, uma indicação a cada 15 anos. Acho que, com 21 anos do vigente sistema constitucional brasileiro, já está na hora do nosso senado começar a desempenhar corretamente o seu papel, de modo a evitar que uma eventual versão brasileira de Hariett Meiers chegue a um dos postos mais poderosos de nosso sistema constitucional.

9 comments to Será o Toffoli a nossa Harriet Miers?

  • Acho que estão sendo injustos com este cidadão. Alguém já procurou se informar acerca do trabalho que ele vem desenvolvendo na AGU? Eu não admito é o sujeito ser contra apenas porque a imprensa o é.

  • Amicus Curiæ

    Tiro o chapéu para esse Toffoli. Fez concurso para a magistratura e levou pau duas vezes. Não desistiu, aprendeu o caminho das pedras e agora vai ser Ministro no Supremo por meio de uma canetada do cliente dele. Isso tudo com 41 anos de idade. Ele pode não ser um sábio, mas de certeza é sabido. É um prestidigitador fantástico!

  • Ou seja: ele está no lugar certo e na hora certa. Assim como muitos que, PIORES que ele, já foram nomeados para TJ, TRF, STJ e STF. Não consigo entender o motivo pelo qual alguns manauaras (que não integram este blog)não usaram as mesmas críticas por ocasião de algumas escolhas locais.

  • Victória

    Não integro esse blog. De passagem por ele resolvei postar a minha opinião. Se piores foram nomeados para o STF e não houve críticas é sinal que o povo não estava atento. Talves as barbaridades governamentais não tivessem assumido as proporções atuais.. Não sei o que o BACHAREL Tófoli fez para ser içado a tão alto cargo que deveria ter recaido em cima da cabeça de algum jurista de cabeça grisalha por ter escrito bons livros para os estudantes de direito. O problema é que o nosso Presidente embalado pelo sabor dos altos índices de audiência vem fazendo barbaridades. A última é a indicação do Tófoli. Que alias nasceu com aquilo virado para a lua – indicação em cima de indicação. Será um aliado no Supremo do nosso guia. E não terá a decantada independência pois cabe as afilhados dizerem amém pelo resto de suas vidas ao bom padrinho. Que desastre esses petistas no governo.

  • Victória

    Sr.ou Dr. Marcelo Augusto gostaria de lembrar-lhe que os membros do judiciário gozam de prerrogativas constitucionais que lhes permite julgar de acordo com a lei e seu livre convencimento. Entretanto o bacharel Tófoli numa carreira de jurista sempre amparado pela apadrinhamento não fará o uso subjetivo dessas prerrogativas. Suas decisões estarão sempre atadas aos interesses de quem o colocou em tão alto posto. Mas tem gente que suporta bem as limitações em troca da notoriedade.

  • Christhian Naranjo

    Bom,sou contra mesmo.

    É apenas mais um PTralha querendo se abrigar sob o manto da teta gorda.

    Só nao precisa ser no STF.

    Dá uma ONG pra ele…

  • Marcelo Augusto

    Como não tenho doutorado, sou apenas o Marcelo Augusto mesmo.

    Não esqueçamos do fato de que o Sr. Lula também foi o responsável pela indicação de outros ministros que, atualmente, estão no STF.

    Isso também autoriza a conclusão de que as decisões dos outros ministros, igualmente escolhidos pelo Sr. Lula, estarão sempre atreladas aos interesses de quem os colocou no STF?

    Por isso a minha opção não é a do prejulgamento. Prefiro aguardar.

  • Sincero

    Concordo em parte com o Marcelo,

    Apesar da crítica quanto ao PT, não se tem avaliado o trabalho que o Tóffoli fez na AGU. É cabível analisar escolhas “locais” também.

  • [...] do (hoje) Ministro Tóffoli Dias. Seu currículo foi construído na barra dos tribunais. Isso criou um grande debate acerca da sua indicação e alguns criticaram a ausência de “produção intelectual” do então candidato, como [...]

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