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Manifestamente Protelatório

Nesta contribuição inaugural ao bLex, gostaria de prestar as devidas homenagens ao conselho editorial, o qual me concedeu a honraria de participar deste espaço, ainda que de forma esporádica. Sinto-me bastante honrado e grato pela oportunidade de fazer uma das coisas que mais gosto.

Feitas as considerações iniciais, vamos ao que interessa:

Acredito que, à esta altura do campeonato, todos estejam familiarizados com o Plano Nacional de Nivelamento da Justiça Brasileira. Dentre as dez metas estabelecidas a que mais chama atenção, sem sombra de dúvidas, é a famigerada Meta 2, já discutida antes neste bLex, a qual institui que todos os processos distribuídos até dezembro de 2005 devem ser julgados até dezembro do corrente ano.

A intenção do CNJ e dos Tribunais regionais na confecção de um plano de nivelamento foi das mais nobres. Todavia, o viés prático da Meta 2 é, de certa forma, duvidoso.

Trago ao conhecimento dos senhores uma experiência que tive hoje, quando praticava uma das atividades inerentes à advocacia: a de gentilmente pedir aos serventuários e demais funcionários dos cartórios, que cumpram com suas atribuições em tempo razoável. O mais engraçado é que grande parte destes funcionários age como se estivesse lhe fazendo um enorme favor e esquece que, para tanto, está sendo pago. E bem pago.

É claro que existem raras exceções: lugares aonde a pro atividade, presteza e a boa-vontade dos funcionários chega a surpreender. São verdadeiros oásis em que, tanto o advogado militante quanto o jurisdicionado podem descansar.

Antes da Meta 2, era até factível que se conseguisse “agilizar” (termo muito usado em balcão de cartório) um despacho de mero expediente em coisa de 3 dias. Isto partindo da premissa de que o funcionário terá boa vontade, o que é não acontece sempre.

Em razão da Meta 2, no entanto, foi dada aos funcionários dos cartórios a orientação de dar prioridade para os processos distribuídos até dezembro de 2005. Isto deu margem a um comportamento não muito salutar por parte dos funcionários dos cartórios do nosso Brasil varonil. Confira, querido leitor, este episódio em que envidei tentativa frustrada de obter andamentos em dois feitos; um da Meta 2 e outro pós-2005.

Ao pedir o despacho do primeiro feito, a funcionária do cartório me respondeu o seguinte: “Esse processo está na meta 2…Então, deve estar saindo aí, nos próximos dias”

“Ok…você tem uma estimativa de quando, mais ou menos?”

“O juiz está despachando aos poucos, né…não tem previsão”

“Sem problemas. E esse outro aqui?” (referindo-me ao feito pós-2005)

“A gente tá dando prioridade para os processos da meta 2, né? Então, esse aí vai ter que dar uma segurada”

“Tá certo. Obrigado pela atenção”

Como se nota no episódio narrado, deve-se atentar para um grave risco na questão Meta 2: o desvirtuamento de seu sentido. Não se pode permitir que a Meta 2 se converta em pretexto para a nefasta prática da procrastinação. Experiências como a que tive me fizeram chegar à triste conclusão de que a Meta 2 é uma circunstância bastante propícia para tanto.

O que é uma ironia, visto que a citada meta existe, em grande parte, por conta da mentalidade do servidor público brasileiro. Venhamos e convenhamos, o serviço público no Brasil é manifestamente protelatório e acredito que isso tenha contribuído de maneira determinante para que o volume de processos se tornasse absurdo. Por óbvio, deve-se levar em conta que existe uma série de outros fatores, tais como a falta de aparelhamento nas varas, deficiência de pessoal e mais tantos que seria necessário um post dedicado exclusivamente a eles.

Diante destas constatações, é assaz pertinente a pergunta: quanto do acúmulo de pendências se deve à deficiência material e de capital humano do Poder Judiciário e quanto se deve à característica do funcionário público brasileiro de procrastinar?

Não tenho elementos para determinar e acredito que seja impossível fazê-lo. Penso, no entanto, que mais importante e mais eficaz que um plano de nivelamento seria implementar algum tipo de programa fundamentado na meritocracia, que estimule uma mudança de mentalidade no servidor público.

Esta verdadeira política de combate direto ao hábito de protelar tudo quanto for possível até quando for possível (prática usual no funcionalismo público) é necessária para evitar que o Poder Judiciário entre num círculo vicioso, isto partindo da premissa de que já não nos encontramos em um, o que não é consenso.

Caso esta mudança paradigmática não ocorra logo, em um futuro não muito distante, a Meta 2 se tornará a franquia de um filme que ninguém gosta de ver. Porque este filme tem um desfecho trágico: a justiça morre no final.

Nota do bLex: O Autor é estagiário do Jacob & Nogueira Advogados.

11 comments to Manifestamente Protelatório

  • Marcelo Augusto

    Também estou sendo vítima da tal “meta 2″. Aguardo a prolação de sentença de julgamento de embargos declaratórios há quase 2 meses. O motivo da demora é a tal preferência.

    Eles não cumprem os seus prazos e eu que tenho que pagar por isso?

  • Mário Nogueira

    Estagiário é fogo mesmo, não pode dá folga ao orelha!!! No primeiro paragrafo do primeiro post, reclama e ainda insunua para ser escalado!!

    Vide: o qual me concedeu a honraria de participar deste espaço, AINDA que de forma ESPORÁDICA!!!

  • Rodrigo Dias

    Não quero me aproveitar do caso em tela, mas parece que os servidores da justiça estadual no Amazonas sempre têm uma desculpa. Agora é a Meta 2. Antes era por que havia poucos servidores. Amanhã, qual será a desculpa?
    Por essa e por outras é que sou a favor dos servidores trabalharem em dois turno, sendo um das 8 as 14 e outro das 12 as 18h, de segunda a sexta-feira.
    Só pra ilustrar, na página do Tribunal de Justiça mostra que faltam “apenas” 63.237 processos a serem julgados. Isso quer dizer, que eles vão julgar 564 processos pro dia, até o dia 31 de dezembro de 2009.
    Hum hum. Eu acredito.

  • Daniel Fábio Jacob Nogueira

    É exatamente esse o argumento construído num post anterior:
    como é que uma Justiça que tem entre 100.000 e 70.000 processos com mais de 4 anos de idade se dá ao luxo de funcionar apenas até as 14:00?
    http://blex.com.br/index.php/2009/atualidades/372

  • Gerson Viana

    Parabéns, Fábio. De fato essa desculpa tem sido recorrente. Entendo a Meta 2 como atuação nos efeitos, e não na causa. Como bem porpôs no texto, a solução caminha para a mudança de paradigma no serviço público.

    Ah, passe lá no TJ que, assim como para todos os advogados, eu te atenderei bem.

  • Fabio Lindoso e Lima

    Querido Gerson,

    Você, seguramente, é a exceção que confirma a regra. O Tribunal precisa, com urgência, de mais pessoas como você.

    Forte Abraço

  • Johmara Souza

    O CNJ poderia vir sem tantas pompas visitar o Judiciário do Amazonas, eu recomendaria vir “a paisana”, como se advogado fosse… e aí descobriria que não bastam metas, mas um choque de gestão… incluindo demissões e afastamentos! O post é surpreendentemente lúcido, mesmo vindo de vc querido! hehehe

  • Fabio Lindoso e Lima

    Mário,

    Como diria o filósofo: Dê um real, mas não dê confiança!

  • Clara

    Fora o fato de o autor do post ser lindo, o conteúdo é bastante lúcido mesmo, e ele merece uma promoção só por isso !!!!

  • Paulo Jacob Neto

    Não se pode atribuir exclusivamente ao funcionário público o retardamento na tramitação dos processos judiciais.
    Eu que tive a oportunidade de advogar e agora que estou “do outro lado do balcão” observo que a realidade é muito dura. O volume de trabalho é elevado e a quantidade de pedidos para “agilizar” os feitos é, de igual modo, altíssima.
    Os que militam tem o interesse de ver o seu processo impulsionado, mas esquecem que as demandas merecem igual tratamento. Não é possível priorizar determinados processos em detrimento de tantos outros que também aguardam solução.
    Portanto, a constatação feita deve ser analisada com cautela, pois as mazelas são mais acentuadas em determinados segmentos e inexistentes em outros.
    Uma coisa é verdade: A responsabilidade não é exclusiva dos servidores…

  • Oliveira

    A META 2 vai gerar a META 3, 4, 5…
    Isso porque simplesmente deixaram os processos posteriores de canto para tentar cumprir a meta do CNJ. Tenho uma demanda cuja audiência inaugural ocorreu em 24 de novembro de 2008.

    De lá pra cá, nenhum andamento foi dado pelo juiz. Cheguei ao constragendor petitório de “impulso oficial”. Aconteceu exatamente comigo o fato narrado pelo autor: “agora estamos dando prioridade à meta 2. Temos milhares de processo e um prazo pra cumprir até dezembro”.

    O engraçado é depois encontrar o magistrado e o ex-advogado da outra parte jantando na maior amizade.

    Eu vou desistir de advogar. Isso é desestimulante.

    Ainda bem que a Justiça Trabalhista funciona, caso contrário, meu diploma serviria para ficar na gaveta.

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