Prefácio: Escolher o tema desta primeira contribuição pessoal ao bLex não foi uma tarefa simples. Há uma inegável importância simbólica ao se eleger o assunto que, de fato, inaugurará o debate que este blog se propõe a fazer. O leque de assuntos maduros para serem enfrentados é enorme, mas após apreciar as alternativas, estou convencido que a escolha é evidente: A melhor forma de inaugurar o bLex é atendendo à vocação natural deste blog e começar uma discussão sobre as pressões impostas pelo nosso sistema jurídico àqueles que se atrevem, em nosso país, a utilizar o capital de forma produtiva. Afinal de contas, se a premissa central do bLex é debater o direito do ponto de vista do advogado empresarial, não há melhor abertura do que uma análise dos entraves jurídicos que tolhem sistemicamente o crescimento e desenvolvimento da atividade produtiva. Para quem esperava uma abordagem do Direito Eleitoral, peço que tenham paciência. Questões eleitorais serão bastante debatidas em posts futuros, mas neste momento preciso honrar a incumbência de ser o primeiro, respeitando a missão definida pelo nosso Conselho Editorial.
O crescimento econômico não ocorre num vácuo, e nem é o resultado de um passe de mágica. É sim o resultado de da confluência de diversos fatores, incluindo políticas públicas, fatores macroeconômicos – tais como a disponibilidade de crédito – e a atividade empresária que se desenvolve no país. O Governo Federal, depois de ser assustado com os índices de avanço da economia brasileira, está hoje fortemente investido num plano com o declarado objetivo de fomentar o crescimento. O PAC, em suas diversas modalidades, está empregando bilhões de reais de dinheiro público para empurrar o Brasil para frente. Mas, num mundo ideal, o governo não precisaria investir no crescimento. O desenvolvimento saudável da economia deveria ser o resultado natural da atividade econômica. PACs são importantes, mas não são eternos. Além disso, é importante olhar para 2005 e 2006, pois naqueles anos a economia brasileira estava em velocidade de cruzeiro, ou seja, esta se movimentando por suas próprias pernas sem as muletas do apoio estatal. E, usando apenas suas próprias forças, a economia brasileira de 2005 foi a que menos cresceu em toda a América Latina, com exceção do Haiti (que só conseguiu perder do Brasil porque estava praticamente no meio de uma guerra civil).
A essa altura, você deve estar se perguntando qual a relevância disso para o debate jurídico. Afinal, à primeira vista, Direito e Economia aparentam ser duas disciplinas distintas e autônomas do conhecimento humano. São tratadas de forma independente nos currículos acadêmicos do ensino superior. Quando muito, estudantes de economia cursam a disciplina de Instituições de Direito e Ética, enquanto acadêmicos de direito em algumas faculdades pagam créditos de Introdução à Economia. Depois disso, à toda evidência, essas duas áreas do conhecimento parecem ser completamente divorciadas. Como são matérias segregadas nos bancos da universidade, os profissionais formados em cada uma dessas esferas tende a pensar e a atuar dentro de seu respectivo campo. Depois do breve encontro que teve com Economia, geralmente nos primeiros anos de faculdade, o profissional da advocacia tende a enxergar a vida apenas com olhos de jurista, e a maioria dos egressos das faculdades de Direito passa o resto de sua vida sem nunca pensar em Adam Smith e sua malta. O economista não pensa em termos jurídicos da mesma forma que o advogado não constrói seu raciocínio com base numa lógica econômica.
Mas é um grave engano acreditar que o Direito é inconseqüente à economia, e vice-versa. Esses dois campos do saber se sobrepõem mutuamente de modo significativo e, em muitos casos, sofrem relações de causa e efeito entre si. Por mais que os juristas não se dediquem à construção de análises econômicas, os fatos mostram que uma norma legal tem real capacidade de impactar a economia. De igual e reverso modo, a economia muitas vezes é a força motriz de alterações legislativas. Reconhecendo esse fenômeno, pensadores de ambas as disciplinas passaram a organizar um movimento que buscasse compreender o direito sob a ótica dos princípios da economia. A concepção moderna da disciplina denominada Law and Economics nasceu na década de 60 na cidade americana de Chicago e cresceu exponencialmente desde então, a ponto de hoje, no Brasil, existiram cursos de pós-graduação integralmente focados em Direito e Economia.
Nesse contexto, é importante olhar para o nosso direito para ver se o nosso sistema jurídico pode, de algum modo, impactar no crescimento econômico do país. E a triste constatação é que um empreendedor encontrará um ambiente jurídico hostil ao desenvolvimento empresarial. Lidando de um lado com protecionismo e de outro com ineficiências sistêmicas, o empresário se vê espremido numa via estreita. Pode até ter sucesso, desde que tenha a sorte de não lidar com nenhum dos inúmeros alçapões que nosso sistema jurídico impõe a quem pretende usar o capital de modo produtivo.
Inauguramos hoje uma série de posts que vai analisar cada um desse aspectos. Mas, num resumo geral, pode-se dizer que o direito brasileiro, de cara, presume que o empresário está errado em relação a seu consumidor, aos seus empregados e ao fisco. Pare para pensar nisso por um segundo. Essas três categorias (consumidor, empregados, fisco) que a lei protege representam uma parcela significativa das pessoas com quem o empresário precisa lidar para desenvolver o seu negócio. E nas relações com todas elas, o empresário está em desvantagem jurídica. A tortuosa lógica dessas normas é que o capitalista selvagem, na busca do lucro a todo o preço, sempre que tiver oportunidade enganará o consumidor, explorará o empregado e burlará o fisco. Ao invés de criar um sistema para combater eficientemente os abusos, é mais fácil para o Estado presumir que o abuso ocorrerá sempre que possível. Portanto, cria-se um conjunto de regras que dificulta a atuação do inescrupuloso, mas também engessa os negócios do empresário ético.
Imagine você tentar empreender uma atividade econômica produtiva se:
- A lei é protecionista em relação ao empregado;
- A lei é protecionista em relação ao consumidor;
- A lei presume que o fisco está sempre correto;
- A carga tributária é altíssima;
- Se o empresário é credor da Fazenda Pública, pode sofrer calote legalizado;
- Os sistemas judiciais para recuperação de seus créditos são ineficientes;
- Se o devedor do empresário falir, seu crédito vai para o final da fila;
- O empresário é alvo natural da indústria de dano moral;
- Além de tudo isso o empresário ainda é vítima de socialismo judicial (que ocorre quando o juiz decide fazer justiça social com o bolso dos outros)
É bem verdade que apesar desse ambiente, o sucesso empresarial é possível. Tanto é que muitas empresas de sucesso existem no Brasil. Mas para cada empresa que consegue prosperar, tantas outras fracassam. Para uma empresa pequena, basta uma ação trabalhista maliciosa, em que o autor ganhou por conta do in dubio pro operario para que acabe seu capital de giro. Os grupos empresariais já consolidados são tolhidos por essas regras, mas as empresas menores são levadas à bancarrota.
Não é a toa que, deixado às suas próprias forças, sem intervenção estatal, a economia brasileira engatinha em velocidade menor do que a metade da media dos países emergentes. O que carrega o avanço da economia desses países é o rápido crescimento de novas empresas. Afinal, um grande e estabelecido conglomerado industrial de sucesso pode crescer 50% por ano, mas jamais poderá decuplicar seu tamanho da mesma forma que é possível a novas empresas de sucesso. Se o ordenamento jurídico é hostil ao empresariado, o sucesso de novas empresas passa a ser exceção e não regra. As estatísticas mostram que é exatamente isso que ocorre no Brasil.
O sistema jurídico existente tem ainda o efeito perverso de viabilizar abusos contra os empresários. Se presunção de legitimidade do fisco não fosse tamanha, os fiscais corruptos jamais pressionariam propina de empresas em dia com suas obrigações tributárias. Se o pagamento a fornecedores do poder público fosse assegurado judicialmente com eficiência, nenhum vencedor de licitação seria pressionado a pagar comissão. Se a Justiça do Trabalho não fosse tão protecionista, nenhum empregador se sentiria pressionado a fazer acordo em relação a verbas realmente indevidas. Se os sistemas de recuperação de crédito fossem eficazes, os custos transacionais e de risco seriam diminuídos. E por aí vai.
O empresário deve sim cumprir suas obrigações legais e sociais, mas precisa de liberdade para crescer e desenvolver a sua atividade produtiva. Ter sucesso empresarial não é crime, e o lucro ético não é imoral. Não se diga com isso que o Estado deve regressar a um estado de lasser-faire. A desregulação absoluta da economia só é viável se a sua população contar com altos níveis de escolaridade média e for extremamente politizada, e nenhuma dessas condições é verdade no Brasil. Mas as normas legais devem manter um equilíbrio entre a necessidade de regulação e a liberdade da atividade produtiva. Mais relevante, o julgador deve ter a capacidade de enxergar o impacto de suas decisões e dos precedentes que elas criam. Além disso, compete ao julgador aplicar as regras existentes dentro de um contexto de proporcionalidade e razoabilidade, de modo a fazer os ajustes finos da aplicação do direito ao caso concreto, assegurando respeito ao espírito da norma com o mínimo de intrusão nos demais direitos das partes de lado a lado.
É por isso que acreditamos na defesa do capital produtivo ético. É a atividade empresarial que fará o país crescer quando o Governo Federal decidir tirar as rodinhas da economia, e parar de injetar recursos no crescimento. É a atividade empresarial que sustenta o Estado através dos impostos. É a atividade empresarial que cria os empregos. É a atividade empresarial que torna o consumo possível. Ao invés de antagonizada jurídica e socialmente, a atividade empresarial ética deve ser duramente protegida, pois o seu sucesso interessa não apenas ao empresário, mas principalmente a todos da sociedade.
Até mesmo aos empregados, aos consumidores e ao fisco.
Este post é o primeiro de uma série que debaterá os aspectos do direito que dificultam o exercício da atividade empresarial ética.
Este post é um passo importante para que a atividade empresarial seja vista sob uma ótica diferenciada.
Infelizmente, sou obrigado a concordar em parte com o doutor. Eu advogo em juizado pelo autor, mas sou obrigado a reconhecer que muitas vezes que, se eu fosse juiz eu não dava a condenaçao que muitas vezes eles dão contra empresas. No começo eu nem entrava com algumas acoes dessas por achar que seriam improcedentes, mas quando vi que eles tava deferindo de tudo, passei a defender os interesses do meus clietes mesmo não acreditando nele. Eu vejo que ocorre injstiça onde a empresa é culpada só de ser empresa e ganhar dinheiro. Mas tenho que fazer meu papel, e enquanto os juizes derem, vou continuar entrando com essas acoes.
Parabéns pelo Blog… iniciativa importante para debater o Direito na nossa cidade, brilhante iniciativa.
Excelente a idéia da criação de um blog voltado a discussão de matérias jurídicas, pricipalmente do direito privado como a que se destaca.
Parabéns Daniel, na pessoa de quem salvo os demais colegas que contribuem para o blog. Certamente estará entre minhas páginas visitadas diariamente. Vida longa ao bLex.
Abraço.
Parabéns pelo post Daniel! Realmente, o Estado se furta de criar mecanismos eficientes de combate aos abusos e, infelizmente, passa a criar presunções absurdas contrárias ao empresariado.
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